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    Na festa de seu maior personagem, Gay Talese está resfriado

    IVAN FINOTTI
    EDITOR DA "ILUSTRADA"

    12/12/2015 02h02

    Na semana passada, a Folha conversou com Gay Talese, o repórter norte-americano que ajudou a criar o jornalismo literário –ao lado de Norman Mailler, Tom Wolfe e Truman Capote– com a reportagem de 55 páginas "Frank Sinatra Está Resfriado", publicada na revista "Esquire" em abril de 1966.

    Mas o jornalista de 83 anos não pôde dar entrevista nem escrever um texto especial relativo aos 100 anos do biografado: "Eu não estou bem, já estou resfriado há uma semana", desculpou-se.

    Ofereceu, entretanto, a introdução que acaba de escrever para uma nova edição de seu velho texto. "Frank Sinatra Has a Cold" sai agora pela Taschen no exterior, com fotos de Phil Stern e fac-símiles de suas anotações. São apenas 5.000 cópias do livro, todas autografadas por Talese.

    O que fez a diferença histórica naquele texto de 1966 é que Talese ouviu mais de cem pessoas para escrever um perfil de Sinatra, mas não conseguiu entrevistar o próprio. A reportagem saiu aqui na coletânea "Fama e Anonimato" (Companhia das Letras, 536 págs., R$ 69).

    Leia abaixo trechos da introdução inédita de Gay Talese para a nova edição em inglês da Taschen.

    *

    "Desde meus primórdios no jornalismo, eu sentia muito menos interesse nas palavras exatas que saíam da boca das pessoas do que na essência do que queriam dizer.

    Mais importante do que o que as pessoas falam é o que elas pensam, mesmo que esse último possa ser difícil para elas colocarem em palavras e possa exigir muita reflexão, tendo que ser retrabalhado na cabeça do entrevistado –que é o que eu procuro suavemente estimular e incentivar enquanto faço perguntas a meus entrevistados, me relaciono com eles à medida que os acompanho, sempre que possível, em seus afazeres, suas consultas, suas andanças aleatórias antes do jantar e depois do trabalho.

    Seja onde for, procuro estar ali fisicamente em meu papel de confidente curioso, colega viajante confiável que faz uma busca no interior dos entrevistados, procurando descobrir, trazer à luz e, finalmente, descrever em palavras (minhas palavras) o que eles personificam e como pensam.

    Há ocasiões, contudo, em que faço anotações. Ocasionalmente há uma frase que ouvimos –uma maneira de falar, uma palavra especial, uma revelação pessoal transmitida em um estilo inimitável que deve ser posta no papel imediatamente para não ser esquecida. É nesses momentos que posso tirar uma caderneta do bolso e dizer 'Isso é maravilhoso! Vou anotar exatamente como você disse isso', e a pessoa, geralmente sentindo-se lisonjeada, não apenas repete o que falou, mas se estende.

    Em outros momentos, tomo notas sem que o entrevistado perceba –por exemplo, nas interrupções em nossa conversa quando a pessoa saiu do recinto temporariamente, assim me dando instantes nos quais pôr no papel aquilo que considero serem as partes relevantes de nosso diálogo.

    Então, mais tarde na noite, antes de me deitar, me sento diante da máquina de escrever e descrevo com detalhes (às vezes preenchendo quatro ou cinco páginas com espaço mínimo entre as linhas) minha recordação do que vi e ouvi naquele dia –uma crônica à qual vou acrescentando páginas constantemente a cada dia do período inteiro de pesquisa.

    (...) Mas a intenção original desse modo admissivo de escrever era o autoesclarecimento, reafirmando minha própria voz sobre o papel depois de passar horas concentradamente ouvindo outros, e também, com frequência, dar vazão a um pouco da frustração sentida quando minhas pesquisas pareciam estar avançando mal, como certamente estavam no inverno de 1965, quando não pude me encontrar cara a cara com Frank Sinatra."

    FRANK SINATRA HAS A COLD
    AUTORES Gay Talese (texto) e Phil Stern (fotos)
    EDITORA Taschen
    QUANTO US$ 200 (R$ 754; 244 págs.)

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