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    Luiz Gê põe abaixo mitos sobre a ditadura militar em novo livro

    RODOLFO VIANA
    DE SÃO PAULO

    13/12/2015 02h37

    No fim de 2014, quando as ruas foram tomadas por protestos contra o governo da presidente Dilma Rousseff e exortações pela volta do regime militar, Luiz Gê, 64, ficou renitente. "Achei um absurdo", diz o artista, que viveu a ditadura com a cabeça enfiada em charges.

    Tal inconformismo levou-o a garimpar trabalhos feitos na época –alguns dos quais nem mais lembrava, sobretudo desenhos publicados na Folha entre 1981 e 1984. "Comecei a olhar e pensei 'nossa, cara, isso é superimportante'." Encontrou um material que traduzia "um tempo terrível, uma crise que, Nossa Senhora, era complicada pra burro".

    As charges estão em "Ah, Como Era Boa a Ditadura...", uma revisão histórica dos anos finais do regime militar e da reabertura política que, diferentemente de outras obras sobre o período, abdica de temas como tortura, terrorismo e censura para jogar luz sobre a economia da época, "uma coisa indefensável".

    A inflação, por exemplo, "era algo complicado". Nos quatro anos de que trata o livro, ela foi de 95,65% em 1981 para 215,27% em 1984.

    Luiz Gê
    Luiz Gê publica uma coletânea de trabalhos feitos durante a ditadura militar e publicados na Folha de S.Paulo ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Luiz Gê lança coletânea de trabalhos feitos durante a ditadura militar e publicados na Folha de S.Paulo

    "Quando passaram a bola para os civis, eles [os militares] estavam se desvencilhando de uma batata quente terrível que não tinham como segurar", afirma o artista. "No governo seguinte, chegou a quase 2.000% ao ano." No último ano completo da presidência de Sarney [1989], a inflação chegou a 1.972,91%.

    Naquela época, de acordo com o chargista, todo mundo vivia em bancos. "O dinheiro que você depositava de manhã já tinha que sacar à tarde por causa da desvalorização." É por isso que, para Luiz Gê, "os caras [que pedem a volta da ditadura] não sabem o que estão falando".

    HERANÇA

    Além das charges, Luiz Gê permeia os capítulos com digressões sobre o período. Chega à conclusão de que, com a retomada da democracia, "tudo mudou para permanecer fundamentalmente igual".

    "Eu gostaria muito que a nossa herança fosse a dos anos 1950 e começo dos 1960, dos anos democráticos em que se conquistaram tantas coisas importantes, como a educação pública, que era superboa e tal", diz. "Mas, na verdade, a herança que vivemos hoje é a da ditadura."

    Mesmo com as Diretas Já –que exigiam o fim da interferência militar no governo–, em 1984, e a instituição da Nova República –com eleição indireta–, em 1985, a ditadura (1964-1985) ainda projetava seus vultos na política.

    "O Sarney [vice de Tancredo Neves, que não tomou posse e morreu dias depois] não era um governo legítimo, eleito pela população", lembra o chargista. "Tinha sido resultado de uma espécie de acordo feito entre as oposições consentidas e os militares. Esse presidente que foi colocado no poder era o presidente do partido da ditadura!", diz.

    "E oito anos depois [da reabertura política], ainda havia senadores 'biônicos', que eram parlamentares nomeados pela ditadura."

    As chagas do regime militar ainda supuram em diversos âmbitos. A corrupção no poder é uma delas: contrariando os manifestantes que apontam a probidade dos militares, Luiz Gê afirma que "ela começou naquela fase".

    Ah, Como Era Boa a Ditadura...
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    Tal herança impede que o regime militar morra de vez, o que obriga o brasileiro a continuar sua luta pelo aprimoramento do sistema democrático. "Não é 'acabou a ditadura e tá tudo bem'." Para Luiz Gê, não está tudo bem. "A representatividade do sistema político que vivemos não é satisfatória. A gente não pode dizer que está numa democracia ideal."

    AH, COMO ERA BOA A DITADURA...
    AUTOR Luiz Gê
    EDITORA Quadrinhos na Cia.
    QUANTO R$ 59,90 (288 págs.)

    Edição impressa

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