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    Diretor italiano de 'Mia Madre', Nanni Moretti reflete sobre perda da mãe

    RODRIGO SALEM
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE CANNES

    17/12/2015 02h08

    Nanni Moretti diz que seus filmes autobiográficos servem para revelar um pouco sobre si, mas também para esconder a verdade a seu respeito. Talvez essa dubiedade tenha alcançado o auge em "Mia Madre", seu primeiro longa desde "Habemus Papam", lançado há quatro anos.

    O diretor italiano sempre foi primoroso nas suas confissões audiovisuais, como em "Caro Diário" (1993) e "Aprile" (1998)".

    Dono de um humor peculiar, que pode ser confundido com um ar rabugento, ele costuma negar que suas experiências pessoais interfiram nos personagens. Mas "Mia Madre", que concorreu à Palma de Ouro neste ano, deixa essa negação quase implausível.

    Divulgação
    Cena de 'My Mother' (Nanni Moretti - Itália) Com John Torturro. Uma diretora grava um filme com um famoso ator americano que dá trabalho no set. Fora de cena, ela tem que lidar com a doença da mãe e a adolescência problemática da filha. O filme estará no Festival de Cannes 2015 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***LEGENDA DO JORNALDireção Nanni Moretti (Itália)ELENCO JOHN TURTUROAtor de "transformers" ganha o papel de um astro mimado que tem pesadelos com kevin Spacey neste drama pesado de Moretti
    John Turturro no longa de Nanni Moretti

    A protagonista é a cineasta Margherita (Margherita Buy), que está no meio das filmagens de um longa sobre trabalhadores em greve ao mesmo tempo em que lida com a mãe em estado terminal. Moretti passou por situação parecida em 2010, quando sua mãe morreu no fim do processo de "Habemus Papam".

    O diretor manteve diários do período e voltou a eles para escrever o roteiro de "Mia Madre". Cedeu o próprio carro para ser dirigido pela cineasta ficcional e emprestou as roupas que sua mãe usou nos últimos dias para a atriz Guilia Lazzarini, que interpreta a matriarca convalescente. Há outros paralelos, como o passado intelectual da mãe.

    "Quando minha mãe estava doente, eu não conseguia cumprir nenhuma tarefa. Meu cérebro paralisava ao falar com os médicos. Se há algo em comum com ela é essa inadequação eterna", conta Moretti, que assumiu o papel de Giovanni, o irmão da diretora que se ausenta do emprego para cuidar da mãe. "Ele é quem Margherita gostaria de ser. É quem possui calma para lidar com a situação."

    POUCAS MULHERES

    Com a inversão de papeis, o diretor e roteirista ainda critica a cúpula do cinema italiano moderno, formado quase toda por homens. "Não queria ser o protagonista porque nunca quis que o filme fosse sobre mim, mas sobre três gerações de mulheres", conta. "Há poucas cineastas na Itália. É muito difícil manter a relação profissional e a pessoal para uma mulher no país."

    Moretti usa os delírios de Margherita e o set de filmagens ficcional para brincar com o espectador. "Gosto quando o público não sabe se está em um sonho ou na realidade. Ressaltei essas camadas de fantasia e verdade na edição para mostrar o estado emotivo da personagem."

    Apesar da dramaticidade da situação, "Mia Madre" não é um poço de melancolia. "Nunca fiz um filme inteiramente dramático ou cômico. Mas não é uma estética. Nada é calculado", diz Moretti, que, conhecido pela rigidez nas filmagens, está aprendendo a relaxar e improvisar.

    Tanto que chamou John Turturro para interpretar um astro ítalo-americano egocêntrico e fanfarrão contratado por Margherita. Seu hilariante Barry Huggins conta lorotas sobre trabalhar com Stanley Kubrick e, certa noite, acorda com pesadelos porque "Kevin Spacey quer me matar".

    "Turturro inventou essas falas. Há 20 anos, essa improvisação seria impossível. Esse privilégio foi exclusivo dele", admite Moretti, conhecido pelo naturalismo ao capturar a performance de atores.

    "Me concentro no diálogo, mas não gosto de traçar teorias ou explicar a infância do personagem", diz ele, que repete as tomadas dezenas de vezes. "Sei o tom e o detalhes que quero para as cenas e trabalho até ficar satisfeito."

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