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    ANÁLISE

    Irmãos do Duo Abreu energizam a música e hipnotizam quem assiste

    SIDNEY MOLINA
    CRÍTICO DA FOLHA

    18/12/2015 02h30

    Foi em 1975, em Washington D.C. —há exatamente 40 anos—, que o duo de violões formado por Sérgio e Eduardo Abreu fez o último concerto e, voluntariamente, resolveu se aposentar.

    Um detalhe: os dois irmãos cariocas tinham pouco mais de 25 anos de idade e estavam no auge da carreira internacional. Desde então, cópias dos três LPs lançados –juntamente com gravações caseiras e outras raridades– passaram de mão em mão.

    Dentre o material nunca comercializado há o áudio de uma apresentação na BBC, realizada em 20 de outubro de 1970. O programa abria com um arranjo de três peças originais para cravo do compositor barroco Jean-Philippe Rameau (1683-1764).

    São exatamente essas peças –nunca gravadas por eles em disco– que estão em um dos vídeos recém-descobertos. É o trecho de um recital na Europa em 1974.

    Como a única imagem disponível do Duo Abreu em ação até duas semanas atrás era a de uma gravação para TV, essa é a primeira vez em 40 anos que se pode vê-los em apresentação pública.

    Bastam os primeiros 30 segundos de "Le Rappel des Oiseaux", a primeira peça, para deixar hipnotizado quem assiste. Há um prazer que vem do contato físico com as cordas, um senso de articulação –o modo como as notas se ligam ou se separam umas das outras– que energiza a música, coordena ritmos e volumes, impulsiona as frases adiante.

    Sérgio –lado direito de quem assiste– tem uma técnica própria : sua mão esquerda às vezes lembra a de um violoncelista, e vê-se que o som está, antes de tudo, em sua cabeça; há uma espécie de clarividência que antecede toda solução artesanal.

    Eduardo –lado esquerdo– é a aplicação rigorosa, até mesmo científica, da técnica ideal do instrumento: relaxamento total, postura perfeita, precisão calculada.

    Eles estão tão dentro de si mesmos que não olham nem um para o outro: como é que fazem, então, os trilos da "Musette en Rondeau" (aos 3m40s), tão juntos e simultaneamente tão independentes?

    O outro vídeo mostra os dois aos 20 anos, em 1969, no primeiro movimento da "Tonadilla" do espanhol Joaquín Rodrigo (1901-99), um clássico do repertório que eles iriam gravar em disco naquele mesmo ano. O jogo maquinal de tempos e contratempos nos dois violões, os rasgueos juntíssimos, as mudanças de andamento, tudo dá a sensação de que eles estão muito acima do que é necessário para tocar.

    Conta-se que, questionado como se faz para chegar ao nível de um grande músico, Sérgio Abreu teria dito: "Bem, se você estiver acima dele, desça; se estiver abaixo, suba".

    A performance que enfim se vê parece ser a de quem toma o máximo como mínimo. Mas nem mesmo esses vídeos podem mostrar o trabalho incessante, persistente e inteligente realizado desde cedo e ao longo de muitos anos.

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