Em "Flores, Votos e Balas - O movimento abolicionista brasileiro (1868-88)", Angela Alonso conta a história do primeiro grande movimento social da história do Brasil.
A campanha pela abolição inicia-se em 1868 a partir de uma mudança na conjuntura política: o ministério liderado por Zacarias Gois cai em função de questões relacionadas à guerra do Paraguai, o que resulta no fechamento do espaço institucional para os liberais. Os elementos mais radicais desse grupo acabam ocupando a arena pública, ao realizar pela primeira vez atividades fora da dinâmica institucional do parlamento. Esse processo foi ampliado pela modernização promovida pelo gabinete de Rio Branco que, a partir de 1871, deu inicio a uma pauta modernizadora, criando uma base social urbana para o discurso abolicionista.
Foi essa pequena fresta de espaço público que os abolicionistas arrombaram, passando a realizar atividades cada vez maiores, onde política e entretenimento se combinavam -discursos de Joaquim Nabuco, José Patrocínio e outros líderes ao lado de apresentações de Chiquinha Gonzaga, Carlos Gomes e outros artistas.
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O farmacêutico e líder abolicionista José do Patrocínio |
O discurso abolicionista era estruturado em torno de três questões: o direito natural, que afirmava a igualdade entre todos os seres humanos; a compaixão, que denunciava as violências cotidianas às quais os escravos estavam submetidos; e o progresso, que defendia que o Brasil não seria uma nação moderna enquanto não se livrasse do trabalho escravo.
Já os opositores seguiam um discurso que a autora chama de um "escravismo de ocasião", segundo o qual todos eram favoráveis à liberdade, mas a abolição teria que ficar para um futuro distante, já que qualquer passo nesse sentido, ainda que discreto, incentivaria a desordem e levaria a lavoura à falência.
Angela Alonso mostra que não havia entre os principais líderes abolicionistas uma preferência por um ou outro instrumento de luta. André Rebouças, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco, líderes mais importantes do movimento, souberam lançar mão de todos os instrumentos - as tais flores, votos e armas -, a depender da circunstância.
Em momentos de maior abertura política, quando o gabinete da vez era neutro ou simpático ou movimento, a arena pública, ou seja, as flores e os votos, eram os instrumentos preferidos. Já quando Imperador optou por nomear um escravista truculento como o Barão de Cotegipe para presidente do conselho de ministros, mesmo o aristocrático Joaquim Nabuco apoiou ações mais radicais.
Ao demonstrar que os líderes do movimento estavam dispostos a usar todos esses métodos, baseando sua escolha antes de tudo na necessidade, o livro desmistifica um uma suposta divisão entre abolicionistas radicais e conciliadores e mostra que, apesar das divergências, a unidade imperou durante a maior parte da campanha.
A coroa foi, na melhor das hipóteses, inerme no enfrentamento entre abolicionistas e escravistas. Nos poucos momentos em que deu algum sinal em direção à emancipação - quando dissolveu a Câmara a pedido do presidente do conselho de ministros, Sousa Dantas, por exemplo - logo reverteu o jogo reforçando o time dos emperrados, como eram chamados os escravistas.
Na verdade, Pedro II postergava o desfecho da questão, dando uma no cravo abolicionista e duas na ferradura dos emperrados. O livro mostra que nem a princesa Isabel teve papel determinante na abolição, como afirma uma historiografia já fora de moda, nem Pedro II foi o príncipe civilizador que saiu da guerra do Paraguai abolicionista, apenas esperando a oportunidade adequada para encaminhar a questão.
A liberdade dos escravos não foi dádiva da coroa, nem de uma elite ilustrada, mas uma conquista dos negros, arrancada em meio a uma campanha duríssima, conduzida por uma maioria de líderes negros como Luiz Gama, André Rebouças e José do Patrocínio.
O talento da autora para a biografia, já demonstrado em seu livro sobre Joaquim Nabuco, serve para entremear o texto de perfis saborosos. Dos emperrados Barão de Cotegipe e Paulino de Sousa, ambos senadores, aos abolicionistas Luiz Gama, Patrocínio, João Cordeiro e Vicente Ferreira de Sousa.
Mas é André Rebouças quem recebe da autora o perfil mais interessante. Líder infatigável, pensador de um projeto de reforma agrária, organizador atento, elemento que costurava a difícil unidade entre estrelas como Nabuco e Patrocínio. Um pouco por personalidade, mas também para cumprir com autoridade todos esses papéis, Rebouças deixou as luzes da ribalta para os outros e escolheu ficar no canto do palco. Foi lá que Angela Alonso jogou luz para evidenciar sua comovente trajetória.
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A edição cuidadosa é acompanhada de cem páginas de anexos interessantes para o leitor que chegar ao final do livro com apetite. Cronologia detalhada, tabela de táticas, mapas que mostram a dimensão nacional do movimento e a velocidade com que se espalhou, dentre outros mimos.
JÚLIO VELLOZO é professor de História do Direito na Universidade Mackenzie