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    crítica

    Mostra da Pinacoteca mantém preconceito com gueto negro

    FABIO CYPRIANO
    CRÍTICO DA FOLHA

    24/12/2015 02h15

    Só depois de 51 anos de sua inauguração, em 1905, é que a Pinacoteca do Estado recebeu a primeira obra de um artista negro. Foi o autorretrato de Arthur Timótheo da Costa (1882-1922), realizado em 1908, mas doado à instituição somente em 1956.

    Morto antes, o artista carioca que estudou na Escola Nacional de Belas Artes nunca soube de sua inserção no circuito paulista institucional.

    Compensar políticas públicas de discriminação é sem dúvida louvável, mas a mostra "Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca" busca essa função por meio de uma estratégia bastante questionável.

    Em cartaz na Estação Pinacoteca e organizada pelo diretor da instituição, Tadeu Chiarelli, a mostra, que tem no autorretrato de Timótheo da Costa um dos pontos altos, mantém no gueto a produção dos que sofreram a escravidão e a discriminação.

    Afinal, será correto manter em um rótulo racial a prática artística? Além do mais, ao destacar na mostra 106 obras de afrodescendentes, quando o total do acervo alcança mais de 7.000 peças, o que se vê de fato é apenas uma parcela ínfima de sua coleção.

    Se a mostra ao menos problematizasse essa questão de forma mais direta, ao apresentar estatísticas de quantas retrospectivas de afrodescendentes foram realizadas na última década, em quantas exposições recentes esses artistas tomaram parte ou quantas obras foram adquiridas em proporção a outras etnias, a mostra ganharia um componente político mais realista.

    No entanto, simplesmente expor obras a partir de eixos um tanto neutros, como Matrizes Ocidentais, Matrizes Africanas e Matrizes Contemporâneas, sem contextualizar de fato essa produção, leva a mostra a simplesmente valorizar um artista pela sua cor e não pela sua qualidade.

    É justamente esse tipo de operação que mantém o preconceito, ao invés de realizar a inserção dos que por tanto tempo vivem discriminados.

    Contraditoriamente, a Pinacoteca possui um caráter excepcional em sua trajetória, já que teve como diretor por dez anos (1992-2002) Emanoel Araújo, que saiu da instituição para criar o Museu Afro Brasil. Também artista, Araújo é justamente homenageado na mostra com a exibição de um conjunto de 13 obras suas, ao lado de outro grupo significativo de Rubem Valentim, com 25 trabalhos.

    Ao final, contudo, a mostra parece mais uma ação de marketing politicamente correto do que uma efetiva política institucional ao longo da centenária história da Pinacoteca e, como toda ação de marketing, acaba sendo por demais simplista.

    TERRITÓRIOS: ARTISTAS AFRODESCENDENTES NO ACERVO DA PINACOTECA
    QUANDO: de ter. a dom., das 10h às 18h (a partir de 4/1/2016: de qua. a seg., das 10h às 18h); até 17/4; fechado nos dias 24, 25 e 31/12 e 1º/1/2016
    ONDE: Estação Pinacoteca, largo General Osório, 66, tel. (11) 3335-4990
    QUANTO: R$ 6

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