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    CRÍTICA

    Sherlock Holmes continua envolvente aos 93 anos e sem Watson a seu lado

    ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    29/12/2015 02h07

    Filho de sir Arthur Conan Doyle que caiu na vida, Sherlock Holmes é, há muito tempo, um personagem sem dono —faz e diz o que vários escritores diferentes lhe ordenam. Uma das encarnações mais recentes desse Sherlock desgarrado é "Sr. Holmes", do inglês Mitch Cullins.

    Este é um Sherlock Holmes diferente. Aos 93 anos, com saúde frágil, enfrenta o que parecem ser sintomas de uma degeneração neurológica. Esquece das coisas do dia a dia, confunde imaginação e realidade. Só as memórias mais antigas ainda surgem claras em sua mente.

    Peter I Chang/Divulgação
    Mitch Cullin, autor de 'Sr. Holmes'. CRéDITO: Peter I Chang/Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Mitch Cullin, autor de 'Sr. Holmes'

    Estamos em 1947. O protagonista de "Sr. Holmes" vive aposentado em uma propriedade rural na Inglaterra. Mas não é um interior inglês de aristocracia, opulência, morada de poderosos como, por exemplo, aquele de "Vestígios do Dia", de Kazuo Ishiguro.

    O cenário da aposentadoria de Holmes é uma chácara simples, com uma única funcionária. Ele se ocupa não mais de crimes misteriosos, mas da criação de abelhas. O filho da empregada o ajuda nessa lida. Claro que um crime vai desaprumar essa doce rotina.

    O enredo encontra o velho Sherlock Holmes em sua propriedade, poucos dias depois de voltar de uma viagem ao Japão, atendendo ao convite de um suposto apicultor de lá. Além de cuidar das abelhas, o velho se ocupa de remexer antigas anotações -entre elas, um longo relato sobre um de seus primeiros casos, e de seu envolvimento emocional com a mulher suspeita de traição que ele investigava.

    A estrutura do romance difere muito das histórias escritas por Conan Doyle (1859-1930). Naquelas, o narrador é quase, sem exceção, o assistente Watson. Aqui, não —Watson está morto.

    A história de "Sr. Holmes" se desdobra em três tempos. Um deles, com narrador onisciente, trata do presente do Sherlock retirado, apicultor. O segundo, o da viagem ao Japão, da qual Holmes acaba de regressar, tem o mesmo narrador. E o terceiro é contado pelo próprio detetive, o das notas do começo de carreira, em que Holmes mistura observações técnicas com relatos de sua atração pela suposta mulher infiel.

    Essa estrutura poderia derrapar em um exercício pretensioso de mudanças de vozes e de saltos temporais. Daqueles que, longe de mãos habilidosas de um Faulkner ou um Calvino, só servem para entediar e desorientar gratuitamente o leitor.

    Não é o caso. As três histórias se sobrepõem com fluidez. E quando a narrativa salta de um tempo a outro, as interrupções servem como ganchos para cada um dos três mistérios: a mulher traía mesmo o marido? Quem era o estranho anfitrião de Holmes no Japão? E quem causou a morte na chácara de Sherlock?

    Se não chega a se equiparar a um original de Conan Doyle, não se pode dizer que "Sr. Holmes" decepcione, pelo contrário. É uma história envolvente, que não por acaso virou filme, com Ian McKellen no papel principal.

    ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR é chefe de redação e repórter do "Fantástico".

    SR. HOLMES
    AUTOR: MITCH CULLIN
    ELENCO: ALEXANDRE RAPOSO
    EDITORA: INTRÍNSECA
    QUANTO: R$ 39,90 (240 PÁGS.)

    Edição impressa

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