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    depoimento

    É duro desempenhar à altura na suruba cênica 'Filosofia na Alcova'

    CHICO FELITTI
    COLUNISTA DA FOLHA

    05/01/2016 02h20

    Três dias depois de ter um dos seus teatros fechados momentaneamente pelo Psiu, chamado por moradores descontentes com o barulho, a praça Roosevelt recebeu um abraço de seus admiradores. Um abraço sem roupa: dezenas de voluntários participaram em 1° de dezembro de uma cena de orgia que será a espinha dorsal do filme "A Filosofia na Alcova", texto de Marquês de Sade relido pela companhia teatral Os Satyros.

    O subsolo do teatro Estação Satyros foi transformado em camarim para receber os cerca de 60 figurantes que comporiam a maior bacanal que a trupe, famosa por cenas de sexo, já organizou. Constavam no grupo: um repórter da Folha, incógnito; uma dona de casa de 42 anos que mora na rua de trás; um bancário de 60 que preferiu gravar nu e uma penca de estudantes recrutados por Facebook ("Traga seu próprio figurino sadomasô e máscara").

    Os voluntários, que começaram a chegar às 14h, passavam por uma triagem, que os dividia entre escravos e libertinos. Os últimos ganhavam na cara uma grossa crosta de pancake, armavam o cabelo com laquê e faziam chapinha na barba, se barba houvesse. Enquanto isso, escravos só ganhavam olheiras, hematomas e sujidade cênica.

    Maquiados, os atores por um dia seguiam para o set, onde a gravação começaria por volta das 21h. O cenário era composto de um andaime de três andares e algumas almofadas pelo chão. Enquanto esperavam, figurantes se abraçavam em roda e gritavam: "Filosofia, isso rima com orgia". Houve quem fosse recrutado direto na rua. "Queríamos ver uma peça de graça, acabamos em uma!", dizia Jéssica, 21, já nua, enrolada num cobertor felpudo com estampa de dálmata.

    Alguns recém-apresentados desenvolveram afeição instantânea, como os dois garotos que já desempenhavam antes do bater da claquete. "Se tiver de olho em alguém, aproveita a cena pra fazer o que quiser. Mas dá um toque que a gente leva a câmera até você", instrui o diretor, Ivam Cabral, antes de gritar "ação".

    AÇÃO

    A reportagem, sem calças, se recolhe num canto, ao lado de uma mulher cheia de corpo, que se queixa da tatuagem de chaninha que ela fez uma década atrás na...

    A atriz calha de ser uma das protagonistas, interpreta Madame de Saint' Ange, uma garota que é sequestrada para ser seviciada mas acaba pegando gosto pela coisa.

    Ela é que compõe sua cena: propõe que pise com salto alto em dois escravos e pede que o repórter a ajude a levantar após isso. "Você me dá a mão, eu desço e a gente dá um beijo libertino." Explica a modalidade: as línguas saem da boca e se encontram num ir e vir em pleno ar, como num pornô americano.

    O grito de ação é seguido por fuzuês de todos os gêneros. Há quem atue como na franquia de pornô soft "Emmanuelle", só emulando o vai e vem do vuco-vuco, e há quem leve a performance a sério. Mesmo. Tipo o casal que parte logo para o coito.

    Uma mulher de espartilho se ocupa de uma cena que envolve urina. Um homem de salto agulha e vestido se apoia no gradil da estrutura e, de costas para a câmera, faz um espacate e grita "Filma eu! Filma eu!". A produtora, que passeia por entre massas de carne, orienta: "É mais gemido e menos grito".

    A protagonista pisa nos dois comensais, pega na mão do repórter e tasca-lhe o tal beijo libertino. É duro manter o sangue circulando nos lugares certos quando uma câmera observa o desempenho.

    Não para profissionais. Um dos atores principais, Hugo Godinho anda túrgido pelo set antes da gravação. "Não precisei tomar nada. Teve uma cena que fizemos em estúdio, de ejaculação, que tive que tomar um remedinho."

    Após duas horas cobrindo o grosso do "Kama Sutra", às 23h uma voz berra: "E todo mundo goza!". Três minutos de arfagens depois, o silêncio voltou à praça Roosevelt.

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