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    análise

    'Star Wars' é alegoria para nossa capacidade de criar e destruir

    MARCELO GLEISER
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    08/01/2016 02h40

    A batalha continua. O novo episódio da saga "Star Wars" é um sucesso absoluto. Com US$ 761 milhões, o filme superou nesta quarta-feira (6) os US$ 760,5 milhões arrecadados por "Avatar" nas bilheterias norte-americanas.

    A agência Bloomberg estima que junto ao sucesso de filmes como "Jurassic World", Hollywood arrecadará em torno de US$ 11 bilhões em 2015. A guerra extragaláctica ocorre também aqui, no caso, pela atenção do público, dividida com a TV e com a indústria do videogame. Fui ao cinema com o pé atrás, temeroso de que o novo episódio fosse me decepcionar. Ninguém quer isso, especialmente numa saga símbolo de toda a geração que cresceu com ela.

    O primeiro episódio (quarto na ordem da série) foi lançado em 1977, escrito e dirigido por George Lucas, estrelando Mark Hamill, Harrison Ford, Carrie Fisher e Alec Guinness. Temos, portanto, 38 anos de Star Wars, uma fantasia em que uma outra galáxia tem vida inteligente abundante, e as mesmas disputas que vemos aqui na Terra e no decorrer da história são repetidas ciclicamente. O tempo avança linearmente, mas a história tem um tempo cíclico.

    No novo episódio, os paralelos com a ascensão do nazismo são claros. (Aviso ao leitor: daqui em diante revelarei partes do enredo).

    Depois da queda do Império no episódio 6, as forças do mal ressurgem na Primeira Ordem e a história continua: o líder quer controlar a galáxia, usando uma arma espacial capaz de destruir planetas como se fossem bolhas de sabão e, nas batalhas mais tradicionais, batalhões de stormtroopers.

    Num discurso de seu general, os troopers se alinham numa praça como as tropas de Hitler, fazendo uma saudação semelhante àquela nazista. Para controlar a galáxia, a Primeira Ordem precisa eliminar os Jedi, ou o único que sobrou deles, Luke Skywalker.

    Luke, que tentou reorganizar a nobre ordem, acabou desistindo depois de ter sido traído por um de seus pupilos favoritos, seu sobrinho Kylo Ren, filho de Han Solo e da Princesa Leia. Na inevitabilidade cíclica da narrativa, Ren sucumbe ao lado nefasto da Força. Sua inspiração, claro, é seu avô, Darth Vader.

    Com novos personagens que interagem com os celebrados Han Solo, Princesa Leia e Luke Skywalker, o diretor J. J. Abrams conduz uma sequência sensacional, na qual vemos o inevitável ocorrer: a Força existe tanto para o Bem quanto para o Mal.

    Se o Mal ressurge, ressurge também o Bem, de forma a manter um equilíbrio cósmico entre os dois extremos.

    Com Luke isolado num planeta distante, o Bem encarna na noviça Rey (Daisy Ridley), que recebe o poder sem saber como e por quê. Fãs reclamaram disso; Rey sabe fazer de tudo: pilotar qualquer nave espacial, consertá-las, lutar e até mesmo derrotar alguns dos melhores soldados da Primeira Ordem usando a Força.

    Ela é a personagem que representa a audiência, que precisa superar barreiras.

    Rey é o Bem que todos queremos ser, suas batalhas simbolizando as que temos na vida, o enredo de cada um em que o Bem e o Mal se embatem nas várias frentes do dia a dia: trabalho, política etc. O Bem e o Mal precisam coexistir, mas é sempre bom ver o Bem triunfar, mesmo que temporariamente.

    Esse não é um filme de ficção científica no qual a ciência é levada a sério. Extrair energia de uma estrela como munição para uma arma é algo impossível; nenhum material sólido pode suportar as temperaturas de dezenas de milhões de graus no interior de estrelas.

    Ademais, a massa da estrela não pode ser "armazenada" num planeta, sem que este imploda. Sons só ocorrem quando existe algum tipo de atmosfera por onde podem ser propagados. Guerras no espaço são silenciosas.

    Mas ninguém quer uma aula de física quando vai ao cinema. O que queremos é emoção, e isso o filme tem.

    Melhor considerá-lo como uma alegoria do nosso próprio planeta, da nossa capacidade para criar e destruir, da sedução do poder, da inevitabilidade do bem e do mal.

    Se a Força representa uma espécie de consciência cósmica, uma representação abstrata de deus, vemos que mesmo no divino a coexistência do bem e do mal é inevitável. O domínio puro do Bem ou o domínio puro do Mal são utopias. A grande lição da saga de George Lucas é que um não pode existir sem o outro. E que a grande questão para cada um de nós é a escolha de que lado iremos servir.

    MARCELO GLEISER é professor titular de física no Dartmouth College (EUA) e autor de "A Ilha do Conhecimento" (Record).

    STAR WARS: EPISÓDIO 7 - O DESPERTAR DA FORÇA
    DIREÇÃO J.J. Abrams
    ELENCO Harrison Ford, Daisy Ridley, John Boyega, Carrie Fisher, Adam Driver
    PRODUÇÃO EUA, 2015, 12 anos
    QUANDO em cartaz

    Edição impressa

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