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    Fernando Bonassi narra derrota do sonho brasileiro em volta ao romance

    MAURÍCIO MEIRELES
    COLUNISTA DA FOLHA

    09/01/2016 02h27

    Está ruim, mas vai ficar pior. É esse o pessimismo presente em "Luxúria", livro que marca a volta de Fernando Bonassi ao romance -um afastamento que ele calcula ser de mais de duas décadas, uma vez que sua última obra com o mesmo fôlego do lançamento de agora foi "Subúrbio", de 1994 (publicou, no meio tempo, um livro juvevil e uma novela, por exemplo).

    É um romance um pouco alienígena no cenário da literatura brasileira contemporânea. Em vez de seguir a tendência confessional, da autoficção, o autor ambiciona algo incomum hoje: fazer uma análise do Brasil.

    Marcus Leoni/Folhapress
    Fernando Bonassi em sua casa

    "A experiência do que é externo à nossa vida, mas que interfere nela com braço de ferro, sumiu um pouco da literatura. Entendi que a história [de 'Luxúria'] tinha uma importância fora da minha experiência", diz Bonassi.

    Assim, o romance traz a história de uma família, moradora de um "bairro novo" da periferia -que remete aos conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida-, que resolve construir uma piscina no quintal de casa, iludida com o crédito fácil concedido pelo governo.
    degradação

    A partir dessa decisão, os personagens, membros da classe C emergente brasileira, mergulham em uma crise -financeira e humana- que se aprofunda cada vez mais.

    Ele próprio criado em uma família de metalúrgicos e exemplo de quem ascendeu de classe, Bonassi expressa no livro profunda desilusão com os rumos do país -e com o projeto desenvolvimentista do PT.

    "Há uma degradação da experiência humana. A esquerda governa como a direita. A experiência da esquerda é limitada, porque se restringiu a partilhar o consumo. E a inclusão pelo consumo é só uma etapa da inclusão", afirma o escritor.

    "O irônico é que essa massa incluída dessa forma reforça a direita. E gera violência. Não é 'queremos mais e por isso faremos a revolução'. As pessoas vão começar a se matar, esse é o problema da experiência brasileira. Ela não é politizada, ela é violenta."

    Em "Luxúria", explica o autor, está sua visão de que o Brasil não fez completamente a transição para a democracia desde a ditadura militar.

    "Não vejo a menor saída [para o país]. Os melhores bandidos tomaram o poder. Os piores ainda virão. A segunda geração de bandidos da direita vai chegar ao Estado, depois do fracasso do projeto da esquerda. Não tenho a menor dúvida. Estou me preparando para uma década perdida", afirma.

    Além de refletir sobre a situação da nova classe C, "Luxúria" faz também faz uma reflexão sobre o trabalho -e a exploração do tempo. Seu personagem principal, o chefe da família, operário em uma posição um pouco superior, vê o relógio "andar para trás" sempre que está na fábrica.

    Ainda que o livro não seja um relato da vida de Bonassi, é claro que suas experiências também estão ali. Seus parentes metalúrgicos eram como o protagonista: o operário que faz a primeira peça.

    Não chega a ser um engenheiro, mas tem um status superior aos demais. E por isso teria uma relação "reacionária" com o emprego.

    "Minha experiência do trabalho é muito danosa", diz Bonassi, que chegou a trabalhar por pouco tempo numa fábrica de autopeças. "O cara te chamava na diretoria da fábrica e te deixava esperando duas horas. Que maneira escrota de mostrar que você é inferior!", afirma ele.

    ROMANCE

    Nos últimos anos, Bonassi tem se dedicado à vida de roteirista de cinema e televisão. Trabalhou em filmes como "Carandiru" (2007) e "Cazuza" (2004), além de seriados para a TV Globo, como "Força Tarefa" e "O Caçador" -estes junto a Marçal Aquino, seu principal parceiro de roteiros.

    Bonassi defende, como hoje já ficou comum, que a TV ultrapassou o cinema em termos de experimentação -mas do ponto da estrutura narrativa, e não da inovação poética.

    O escritor acredita que o romance ainda é o gênero para experimentação poética -e este segue relevante, a despeito de hoje ser comum dizer que a palavra escrita perdeu relevância para a imagem.

    Luxúria
    Fernando Bonassi
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    "Fazer o pacto do romance é exigente, mas maravilhoso. Ele continua um campo de originalidade. A experiência literária é muito fundadora do intelectual brasileiro. Digamos que eu seja considerado mais importante por escrever livros, não por fazer filmes."

    LUXÚRIA
    AUTOR Fernando Bonassi
    EDITORA Record
    QUANTO R$ 40 (368 págs.)

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