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    Uma dupla improvável de autores se tornou a queridinha da música pop

    JOE COSCARELLI
    DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES

    11/01/2016 17h42

    Reprodução/Instagram/tranterjustin
    Os compositores Julia Michaels e Justin Tranter
    Os compositores Julia Michaels e Justin Tranter

    Dez minutos depois de iniciada uma sessão recente de gravação com um produtor premiado com o Grammy que eles ainda não conheciam pessoalmente, Julia Michaels e Justin Tranter, os compositores pop mais procurados do mundo, já tinham um gancho novo e chamativo.

    "She's a new girl now" (ela é uma garota nova agora), cantou Michaels, 22, num ritmo pop-soul sincopado. Tranter digitou as palavras em seu iPhone, desenvolvendo mais a letra de Michaels, que falava de bebida e do Instagram. Os dois acariciavam os braços tatuados um do outro enquanto trocavam ideias, nunca separados por mais de um ou dois metros até o momento em que Michaels entrou na cabine vocal. Tranter, 35 anos, ficou do lado de fora, gritando sugestões e palavras de incentivo.

    Menos de uma hora mais tarde eles já tinham uma história de renovação feminina —inspirada na vida de Michaels, mas cantada a partir da perspectiva masculina— e um demo simples tocado no teclado. Ainda havia 10 minutos de sobra antes do jantar, o suficiente para J-Roc, o produtor conhecido por seu trabalho com Timbaland (Justin Timberlake, Beyoncé), criar uma faixa de R&B futurista.

    Em três minutos, Michaels já tinha gravado outra melodia sem palavras em seu telefone, citando o Radiohead como sua inspiração. "É manteiga quente numa torrada matinal", disse J-Roc, aprovando.

    Essa visão nova, aliada à rapidez e precisão, é o que caracteriza o "modus operandi" de Michaels, compositora profissional desde a adolescência, e de Tranter, ex-vocalista de uma banda de glam-rock, ao longo de sua fase de domínio das rádios. No ano passado essa dupla improvável teve quatro sucessos no Billboard (e Michaels e Tranter tiveram alguns sucessos separadamente), incluindo "Good for You", de Selena Gomez, e "Sorry", de Justin Bieber —ambos chegaram à quinta posição na lista Hot 100 e à primeira na parada das músicas pop mais tocadas pelas rádios.

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    Os outros sucessos da dupla incluem "Love Myself", da atriz indicada ao Oscar Hailee Steinfeld ("a canção muito claramente trata da masturbação", disse Michaels), além de faixas para Demi Lovato e Fifth Harmony. Depois de ajudar a promover astros mais novos, Michaels e Tranter foram chamados para sessões com ícones respeitados como Britney Spears, Gwen Stefani, Courtney Love e John Legend.

    "Eles viraram meus compositores favoritos em tão pouco tempo porque têm um índice altíssimo de acertos", disse Aaron Bay-Schuck, diretor do setor de artistas e repertório da Interscope. Seu trabalho inclui encontrar músicas que possam vir a ser sucessos para grandes artistas. "Eles não param de produzir."

    Nesta era em que os sucessos são produzidos por um trabalho meticulosamente orquestrado, com mais de meia dúzia de compositores contribuindo para cada sucesso potencial, a possibilidade de ter uma canção colocada em um álbum de primeira linha é disputada a tapas. Além de nomes conhecidos oferecem canções, os grandes selos frequentemente também convocam chamados "campos de composição" para seus maiores artistas, com uma série de músicos de mundos diferentes competindo pela mesma lista de faixas, que é finita.

    Cada vez mais, à medida que os gêneros e princípios continuam a se fundir, os músicos de viés indie estão ganhando a vida nos estúdios, não sobre o palco, guiando os sons das rádios pop no quase anonimato. Seguindo o caminho trilhado por Linda Perry, da 4 Non Blondes, e Dan Wilson, do Semisonic, os artistas que estão fazendo carreira como compositores incluem Andrew Wyatt, da banda Miike Snow, e Peter Svensson, dos Cardigans.

    "É muito útil ter pessoas de origens e perspectivas diferentes juntas numa mesma sala", comentou Bay-Shuck, falando de Michaels e Tranter.

    Além de criar atrações irresistíveis para as rádios, a dupla desenvolveu um dom comprovado de expressar os psicodramas públicos dos artistas. Depois de fazê-lo para Justin Bieber e Selena Gomez —ex-namorados famosos— na época de seu amadurecimento profissional, Michaels e Tranter contribuíram para o single de volta por cima pós-divórcio de Stefani, "Used to Love You".

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    "É muito mais fácil escrever quando você conhece a história da pessoa", comentou Michaels, falando de seu trabalho de "psicóloga" e tradutora dos sentimentos de astros pop. "Sou boa ouvinte, pegando exatamente o que as pessoas sentem e colocando no papel. É uma coisa muito terapêutica."

    E Tranter muitas vezes cumpre o mesmo papel para sua parceira compositora.

    "Julia escreve as canções como se fosse artista", ele explicou, estimando que Michaels lidera durante 75% do tempo deles nos estúdios. "Eu sou aquela peça a mais no quebra-cabeças." Seus créditos sem Michaels incluem "Centuries", dos Fall Out Boys, e a música nova da banda DNCE, de Joe Jonas.

    BASTIDORES

    Depois de ter sido passado pelo espremedor como vocalista do grupo de rock nova-iorquino Semi Precious Weapons, Tranter está curtindo seu novo papel de orientador nos bastidores.

    Embora sua banda orgulhosamente gay nunca tenha chegado a fazer sucesso no mainstream, apesar de quatro contratos para discos e de ter sofrido prejuízos que Tranter estimou em US$ 500 mil (mais de R$ 2 milhões), a Semi Precious Weapons foi citada como influência por Lady Gaga, cujos shows abriu em turnês mundiais, e Sam Smith, que recentemente, no Instagram, atribuiu sua carreira a Tranter.

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    "Gwen me mandou um torpedo dizendo 'peraí, é só isso que você faz?'", falou Tranter, aludindo a Gwen Stefani. "Você inspira as pessoas e as faz se sentirem à vontade, fortes e autoconfiantes?"

    Quando sua banda murchou, em meio a sugestões de que ele agisse de modo menos feminino, Tranter, pessoa calorosa e comunicativa, concentrou suas habilidades melódicas e interpessoais no estúdio.

    "Eu era ótimo em elevar o astral na maioria das sessões", ele comentou. "Quando você é compositor, você sabe que a atração principal não é você. Se quiser que seja, você vai ficar realmente infeliz. Eu só quero fazer música que as pessoas ouçam. E não me envergonho disso."

    Justin Tranter e Gwen Stefani

    As sessões de composição de música pop podem ser como encontros às cegas, com vários compositores e produtores postos numa sala com direção apenas mínima. Michaels e Tranter, ambos representados pela editora musical Warner/Chappell, se conheceram no final de 2013 numa ocasião como essa, mas a timidez de Michaels quase levou a colaboração a morrer na praia.

    "Quando você tem que praticamente ficar nua numa sala com uma pessoa que não conhece, pode ser dificílimo", ela comentou.

    Assim, ela se escondeu no guarda-roupa do corredor enquanto o produtor tocava uma batida e Tranter, ao lado, se mostrava cético. Estava "nervosa e insegura", Tranter recordou, até que "de repente ela abre a porta com um chute e canta uma melodia insana com o título de minha canção inserido. Honestamente, foi naquele momento que percebi: 'A procura acabou' —positivamente."

    Rita Ora e o mega-DJ Calvin Harris gravaram aquela primeira canção pouco depois; Christina Aguilera e Kelly Clarkson escolheram duas outras da primeira leva de cinco dos compositores.

    "Esse índice de aproveitamente é incrível", comentou Tranter.

    Michaels tinha mais experiência que Tranter com sessões de gravação, tendo criado a música nos intervalos de "The Hills", da MTV, e a canção-tema de "Austin & Ally", da Disney, tudo antes dos 18 anos. Mas ela encontrou um protetor em Tranter.

    "Eu sou muito emotiva e vulnerável", ela disse. "Ele é muito leve, cheio de energia e mantém tudo de alto astral. Gosto de achar que nós dois, juntos, formamos um só ser humano que é perfeito."

    Nascida no Lowa e criada perto de Los Angeles, Michaels, que tende a soltar risadinhas e a revelar informações pessoais demais, estudou em casa enquanto fazia música com sua irmã mais velha. Ela aprendeu sozinha a tocar piano e nunca estudou para ser vocalista.

    "Eu só queria escrever as canções, nunca cantá-las", explicou.

    Michaels tem o gosto musical onívoro que é típico de sua geração, alternando-se entre o pop teen de seus anos formadores (Spears, 'N Sync, Spice Girls) e bandas de metal (ela chegou a usar o cabelo em corte moicano colorido por algum tempo), antes de descobrir cantoras-compositoras como Fiona Apple e Lauryn Hill.

    Julia Michaels

    Sua fluência em vários estilos —desde o ritmo tropical do reggaeton de "Sorry" até o minimalismo (remetendo a Prince) do novo single de Selena Gomez, "Hands to Myself"— vem impedindo Michaels e Tranter de serem inseridas em alguma categoria estanque e, inclusive, vem impedindo muitos ouvintes de ligar os nomes deles a seus vários sucessos.

    O que essas canções todas têm em comum, disse Tranter, é que em muitos casos são "pouco cantadas, chamando a atenção para a história". Mais importante que isso, ele opinou: "Quero garantir que as mulheres sejam empoderadas em cada canção que escrevemos".

    Essa proposta se estende a seu trabalho com Michaels. "Ela sente muita confiança no que faz, mas, pelo fato de este mundo ser tão cruel com as mulheres, ela ainda pede desculpas por ter ideias", disse Tranter.

    No estúdio com J-Roc, um desses pedidos desnecessários de desculpas de Michaels foi ironizado suavemente por Tranter. "Desculpa por estar escrevendo todas estas canções e ajudando as pessoas a ganhar muito dinheiro", ele disse em tom carinhoso.

    Retornando na noite seguinte, os dois preencheram o esboço melódico criado por Michaels no final da sessão anterior, novamente tirando inspiração da vida dela, mas também de algumas coisas que havia no estúdio à sua volta. "Morangos e champanhe não vão resolver nada", ela cantou. Para mostrar como estava feliz com tudo, J-Roc fez de conta que estava se injetando heroína.

    FUTURO

    Devido à idade de Julia Michaels, suas origens e seus sucessos recentes, as perguntas sobre seu próximo passo profissional são inevitáveis. Compositores como Sia, Ester Dean, Jessie J e Bruno Mars todos já se aventuraram a virar cantores também, com graus diversos de sucesso.

    "Não vão faltar selos interessados em Julia como artista", opinou Bay-Shuck, da Interscope. "Em última análise, ela precisa se perguntar o que ela quer."

    O que ela quer, por enquanto, não é mais tempo sob os holofotes.

    "Hoje mais que nunca, por causa das mídias sociais, os compositores recebem muita atenção", falou Michaels, explicando que frequentemente sofre ataques de pânico e que apenas recentemente foi reconhecida em público, pela primeira vez.

    "Escrevo camções para mim mesma, mas nunca as guardo", ela disse. "Penso: 'ok, aquilo funcionou como terapia, agora eu já pus para fora. Vou dar para outra pessoa para que possa servir de terapia a ela também.'"

    Tradução CLARA ALLAIN

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