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    Busto de Pablo Picasso é disputado por galerista e família real do Qatar

    ROBIN POGREBINJAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    14/01/2016 17h38

    Andrew Burton/Getty Images/AFP
    NEW YORK, NY - SEPTEMBER 10: A sculpture made by Pablo Picasso is displayed at the Museum of Modern Art's (MoMA) "Picasso Sculpture" exhibit on September 10, 2015 in New York City. The exhibit includes 141 sculptures made by the artist and will run until February 7, 2016. Andrew Burton/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
    Busto feito por Pablo Picasso, exibido na exposição "Picasso Sculpture", no MoMA

    O poderoso galerista Larry Gagosian diz que comprou a escultura. A família real do Qatar, também. Agora as duas partes se enfrentam em um tribunal para decidir a quem pertence o busto em gesso esculpido por Picasso de sua musa e amante Marie-Thérèse Walter. A escultura é a atração principal da popular exposição "Picasso Sculpture", no Museum of Modern Art (MoMA).

    Quem vendeu a obra, nos dois casos, foi uma filha de Picasso, Maya Widmaier-Picasso, 80 anos. Ela se negou a dizer por que parece ter vendido a obra de arte duas vezes.

    Numa ação judicial registrada na terça-feira (12), num tribunal federal de Manhattan contra a agente da família real qatariana, Gagosian alega que comprou a escultura de 1931 em maio de 2015 de Widmaier-Picasso, por cerca de US$ 106 milhões, e a revendeu depois a um colecionador de Nova York cujo nome não foi revelado e que espera receber a obra quando a exposição no MoMA terminar, em 7 de fevereiro.

    Mas a agente da família real do Qatar, a Pelham Holdings, comandada por Guy Bennett, alega em seus próprios documentos judiciais que em novembro de 2014 fechou um acordo com Widmaier-Picasso para comprar a obra por 38 milhões de euros, ou cerca de US$ 42 milhões.

    Obra de importância maior de um período altamente criativo da vida de Picasso, o busto reflete a evolução de um novo estilo sensual de curvas e formas exageradas inspiradas pelos encantos de Marie-Thérèse Walter.

    O conflito expõe a natureza sigilosa de um mercado de arte cada vez mais competitivo, em que negócios são selados a portas fechadas e a propriedade de obras pode ser uma questão ambígua.

    O caso se complica mais ainda pela natureza particular da família de Picasso, que inclui várias mulheres, musas, filhos e netos que ao longo dos anos disputaram as valiosas criações do patriarca e, em muitos casos, as venderam.

    As vendas de obras de Picasso em 2015 totalizaram pouco mais de US$ 652 milhões, superando as de Andy Warhol nesse ano, segundo a plataforma de artes Artnet, com sede em Nova York.

    Em maio passado a tela de Picasso "Les Femmes d'Alger (Version 'O')", de 1955, foi vendida pela Christie's por US$ 179,4 milhões (sem levar em conta a inflação), um valor altíssimo para qualquer obra de arte vendida em leilão.

    Na ação judicial aberta contra a Pelham na terça, a Galeria Gagosian pediu a um juiz que "silencie" quaisquer contestações à sua propriedade do busto.

    "Compramos e vendemos a escultura de boa-fé, sem conhecimento da suposta reivindicação de propriedade", disse a galeria em comunicado, aludindo à ação movida pela Pelham. "Acreditamos plenamente que nossa aquisição e venda são válidas e que a Pelham não tem direitos à obra."

    Larry Gagosian tem uma relação de longa data com membros da família Picasso, tendo colaborado com Diana Widmaier-Picasso, neta do artista, numa mostra de esculturas de Picasso na galeria de Gagosian no centro de Nova York, em 2003.

    Em 2011, sua galeria em Chelsea expôs o busto de gesso juntamente com outros trabalhos inspirados no relacionamento entre Picasso e Walter, que foram os pais de Maya Widmaier-Picasso (eles não chegaram a se casar). A exposição levou vários interessados a oferecer "mais de US$100 milhões pela obra", segundo documentos registrados no tribunal por Gagosian.

    Segundo a ação movida pela Pelham, Maya Widmaier-Picasso concordou originalmente em vender a escultura em novembro de 2014 por meio da firma de vendas de arte Connery, Pissarro, Seydoux, hoje desfeita. A Pelham teria comprado a escultura em nome do xeque Jassim bin Abdulaziz al-Thani. Este é casado com a xeque Al Mayassa bint Hamad bin Khalifa al-Thani, presidente da Autoridade dos Museus do Qatar, que tornou-se um dos atores mais poderosos no mundo das artes. A família Thani governa o Qatar, país rico em petróleo, desde sua fundação, em 1850.

    Em documentos do tribunal, Gagosian questiona como a Pelham teria conseguido "o suposto consentimento de Maya Widmaier-Picasso com um preço tão ilogicamente baixo", aludindo aos US$ 42 milhões, e questiona se o negócio com a Pelham chegou a ser válido, já que para isso o valor total teria que ser pago.

    Depois de consultar sua filha Diana, que lembrou à sua mãe sobre as ofertas de mais de US$100 milhões, dizem os papéis de Gagosian, Widmaier-Picasso anulou a venda e devolveu 6 milhões de euros (US$ 6,5 milhões), a parte do valor de compra paga pela Pelham até aquele momento.

    De acordo com os documentos registrados pela Pelham, em abril de 2015 a advogada de Widmaier-Picasso, Sabine Cordesse, pediu a anulação da venda à família real. A Pelham diz que Cordesse lhes falou que "Widmaier-Picasso não tinha a capacidade mental" de acordar uma transação, "devido a supostos problemas médicos". Perguntada sobre isso em Paris, na terça-feira, Cordesse não deu declarações.

    A Pelham afirma ainda que sua compra da escultura foi negociada pelo filho de Widmaier-Picasso, Olivier Widmaier-Picasso, "que ninguém diz que jamais sofreu problemas cognitivos, nem tinha qualquer outro interesse senão negociar um valor de mercado justo para a escultura".

    Segundo a Pelham, Gagosian negociou mais tarde com Diana Widmaier-Picasso "numa tentativa de desrespeitar os direitos da Pelham, porque a Gagosian queria propor um valor de compra mais alto".

    Gagosian alega que Maya Widmaier-Picasso concordou em lhe vender a obra em maio por US$ 105,8 milhões, tendo ficado claro que ele a revenderia.

    No mesmo mês a Pelham acionou judicialmente Widmaier-Picasso e a Connery, Pissarro e Seydoux, na Suíça, para implementar a venda. Em seguida, obteve um mandado judicial impedindo Widmaier-Picasso de transferir a obra para outro local. O mandado foi contestado e é objeto de um recurso.

    Gagosian afirma que o documento de propriedade passou para suas mãos em 2 de outubro de 2015, depois de ele pagar a terceira parcela do valor acordado a Widmaier-Picasso, e que ele já pagou US$ 79,7 milhões, ou 75% do valor de compra.

    O marchand acrescentou que só tomou conhecimento da reivindicação da Pelham mais tarde nesse mesmo mês, quando a Pelham, quando soube que a escultura estava na exposição no MoMA, avisou Gagosian que tinha direito prioritário sobre a obra.

    Especialistas dizem que a disputa lança uma sombra sobre uma obra importante na história da arte. "É lamentável que isto tenha virado uma disputa entre marchands e colecionadores", disse John Richardson, o biógrafo de longa data de Picasso. "Trata-se de uma obra importante de Picasso."

    A Pelham diz que desde o final de novembro está tentando fazer a Galeria Gagosian revelar informações sobre a venda. "Ela continua a ocultar os fatos relevantes", acusa a Pelham.

    Larry Gagosian destacou que sua disputa é com a firma que representa os qatarianos, não com a família real. "Temos o maior respeito pelo xeque al-Thani, amigo de longa data da Galeria", disse o galerista em comunicado à imprensa. "Lamentamos que ele tenha sido arrastado injustamente para esta disputa."

    Tradução CLARA ALLAIN

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