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    CRÍTICA

    Força de 'Anatomia do Paraíso' está na crueza e na brutalidade

    LUÍS AUGUSTO FISCHER
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    16/01/2016 02h28

    Tudo tem força no mais novo romance de Beatriz Bracher. Personagens, enredo, linguagem, construção narrativa, cenas, notação de tempo e de espaço, tudo é denso, nada está ali apenas por estar –e essa sensação da necessidade de cada item contribuiu para o ótimo efeito geral.

    Félix faz mestrado em literatura sobre "Paraíso Perdido", de John Milton. Nada mais distante do que ele vive e vê: está em Copacabana, à vista da favela e da rua degradada, em nossos dias; é um jovem mineiro de temperamento meio obscuro, sem vontade firme ou nítida, um tanto à mercê do acaso, que o faz levar o estudo a espasmos, sem conquistar erudição relevante nem encontrar um ângulo novo para comentar o texto, que acaba sendo encarado em sua dimensão por assim dizer moral –a queda do homem, na versão bíblica, vai fazendo par com sua vida dissipada.

    Ana Paula Paiva/Valor
    Data: 09/09/2013 Editoria: Cultura Reporter: Maria Luiza Mendes Furia Local: Sao Paulo, SP Pauta: Fotografar as escritoras em bate-papo. Fazer fotos das duas juntas e separadas, para termos em arquivo. Setor: literatura Tags: livros, premios, literatura, obra, escrita, escrever, historias, novela, romance, ficcao, estilo, entrevista. Personagem: Beatriz Bracher, escritora, fotografada em seu escritorio. Foto: Ana Paula Paiva/Valor ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
    A escritora paulistana Beatriz Bracher, em seu escritório

    Ele dorme e come mal, é epilético e não se cuida, tem relações sexuais casuais com um homem e algumas mulheres, sem prazer ou sentimento. Félix é anômico a ponto de não reagir a crimes que presencia, como um abuso sexual, que acaba por excitá-lo.

    Abuso sexual: esta é uma das matérias-primas centrais do romance. Muito mais do que a presença ostensiva (e alguma vez artificiosa) dos versos de Milton, é de mulheres abusadas que trata o romance. Mulheres que reagem ou não –Vanda é uma que reage.

    Anatomia do Paraiso
    Beatriz Bracher
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    Heroína pela qual a gente torce da primeira à última página, Vanda tira forças de onde o leitor branco de classe média confortável não consegue imaginar para levar a vida que leva, trabalhando no Instituto Médico Legal e, depois, numa academia de ginástica, enquanto toma conta da irmã Maria Joana e prepara o vestibular para medicina, morando em condições ruins, tudo isso sem nenhuma caretice ou carolice. Improvável? Difícil? Espere para ler. (Há cenas de reação dela a assédio que poderiam ser lidas de modo diretamente moral, educativo, com grande ganho para a saúde das mulheres.)

    O romance vale por isso e por mais que isso. Beatriz Bracher apresenta uma narrativa de certa ousadia, em parte pelo aspecto compósito e erudito, em parte maior ainda pela precisão –analítica e fria no enunciado, humanamente empenhada no efeito– e pela coragem com que faz seus personagens viverem cenas duras, corriqueiras em sua brutalidade e crueza, pasto da violência que não sabemos ver, mas que o romance ilumina com nitidez.

    LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na UFRGS.

    ANATOMIA DO PARAÍSO
    AUTOR: Beatriz Bracher
    EDITORA: editora 34
    QUANTO: R$ 46 (328 págs.)

    Edição impressa

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