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    Gestão Kassab em SP descartou obra de vencedor do 'Nobel da Arquitetura'

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    16/01/2016 02h38 - Atualizado às 12h51
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    Quando mudou o traçado de uma avenida na zona sul de São Paulo, a prefeitura acabou sepultando um projeto do chileno Alejandro Aravena, que venceu há três dias o Pritzker, maior prêmio da arquitetura mundial.

    Há oito anos, o arquiteto esboçou prédios com 120 apartamentos e espaços para lojas no térreo para abrigar famílias que viviam na favela de Paraisópolis, na região do Morumbi —o convite para a obra era da Secretaria Municipal de Habitação da gestão de Gilberto Kassab, do PSD, mas ela foi descartada logo antes do início dos trabalhos em 2012.

    Famoso -e agora consagrado- por sua estratégia de puxadinhos oficiais, em que só a parte essencial da estrutura de uma casa é construída e o resto fica por conta do morador, o arquiteto tentou replicar no país um modelo de habitação já testado no Chile e também no México.

    Reprodução
    ORG XMIT: 550101_0.tif Ilustração de projeto do arquiteto chileno Alejandro Aravena para a favela de Paraisópolis, em São Paulo (SP). (Foto: Reprodução) *** PROIBIDA A PUBLICAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS ***
    Perspectiva de conjuntos habitacionais de Alejandro Aravena que seriam construídos em Paraisópolis

    São estruturas secas, de linhas austeras, em que metade do volume é deixado livre para que o dono termine a obra, seguindo a ideia de Aravena de que "é melhor fazer meia casa boa do que uma casa ruim".

    Mesmo celebrada pela crítica, sua proposta esbarra em questões legais desde que surgiu. Tendo rendido ao Chile seu primeiro Pritzker, Aravena conta que construiu de forma ilegal as casas no norte de seu país, já que as leis não permitem entregar um projeto de interesse social pela metade.

    Em São Paulo, caso a avenida Hebe Camargo e mais tarde os pilares que sustentam a linha Ouro do monotrilho não passassem por cima do terreno destinado ao prédio, Aravena também teria dificuldades.

    "Isso foi um problema", lembra Bete França, então superintendente de habitação da cidade. "Eles insistiam em construir casas térreas, mas a gente não pôde aceitar porque o valor do terreno seria elevadíssimo."

    No total, R$ 1 bi foi investido na reurbanização de Paraisópolis, um esforço que envolveu outros escritórios de peso, como o paulistano MMBB e o Boldarini Arquitetos Associados, que seria responsável no país por executar a obra da firma Elemental, de Aravena.

    Em seu desenho final, o chileno acabou respeitando as restrições da prefeitura e criou prédios que à primeira vista parecem convencionais, mas deixavam uma varanda livre para a futura ampliação de um quarto, caso o morador quisesse aumentar sua casa.

    "Tinha a ideia de ampliar, mas havia uma questão de segurança", diz o arquiteto Marcos Boldarini, que ajudou a adaptar o projeto. "Como a obra não seria uma edificação térrea, levar um pedaço de laje ou uma parede ao quinto andar seria mais complicado."

    Um dos destaques da Bienal Internacional de Arquitetura de Roterdã há quatro anos, o projeto não construído de Aravena é mais um exemplo de seu ataque aos arquitetos viciados só no "uso estratégico da forma" -o ponto central da próxima Bienal de Arquitetura de Veneza, que abre em maio chefiada por ele.

    Terra de obras de Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha, São Paulo perdeu mais uma chance de ter outro vencedor do Pritzker entre seus arquitetos, engrossando uma lista de desistências. No ano passado, foi descartado o Complexo Cultural da Luz, da dupla suíça Jacques Herzog e Pierre De Meuron, ganhadora desse prêmio há 15 anos.

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