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    Mostras pelo mundo reveem Claudio Tozzi como herói da arte pop nacional

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    19/01/2016 02h25

    Divulgação
    Obra de Claudio Tozzi, que esta com duas exposicoes em Londres e uma nos Estados Unidos. Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM*** Obra da série 'Astronauta', de 1969, que estará em mostra de Claudio Tozzi em Londres.
    Obra de Claudio Tozzi, que esta com duas exposicões em Londres e uma nos Estados Unidos

    Era um mundo em ebulição. "Quando eu pintava, pensava no dia a dia. Você estava correndo, fugindo. Estava explodindo uma bomba ali."

    Mas, nas telas de Claudio Tozzi, a fúria desencadeada nas ruas do país pelo golpe militar ressurgia menos violenta e mais vibrante. A linguagem das histórias em quadrinhos, cheias de símbolos da cultura popular, de Che Guevara a Pelé, foi a arma desse artista que construiu, nas décadas de 1960 e 1970, uma visão ao mesmo tempo subversiva e sedutora daqueles anos de chumbo.

    Enquanto Andy Warhol, Jasper Johns, Roy Lichtenstein e Robert Rauschenberg -a nata da arte pop nos Estados Unidos- usavam imagens de celebridades e coqueluches do consumo para criticar os rumos de uma sociedade extasiada pela fama e pelo dinheiro, artistas brasileiros adotaram essa figuração em tons tecnicolor na tentativa de desafiar a ditadura.

    Quase meio século após seu primeiro contato com essa vanguarda na Bienal de São Paulo, que em 1967 exibiu obras clássicas do pop americano, Tozzi, 71, desponta agora no circuito mundial como um dos pilares da versão nacional do movimento.

    Numa onda de mostras dedicadas ao que passou a ser chamado de pop global, ele expõe obras na Tate Modern, em Londres, e em breve vai abrir uma individual na galeria Cecilia Brunson Projects, também na capital britânica.

    Junto a Antônio Dias e Hélio Oiticica, Tozzi figura ainda entre os nomes de uma grande exposição dedicada à arte pop marcada para fevereiro no Museu de Arte da Filadélfia, nos Estados Unidos.

    Essa descoberta do pop nacional no exterior reflete também uma redescoberta desses nomes dentro do Brasil. Nos últimos anos, artistas centrais dessa estética, como Marcello Nitsche e Antônio Henrique Amaral, famoso pelas pinturas de bananas e morto aos 79, no ano passado, foram alvos de grandes retrospectivas.

    Quando a Pinacoteca do Estado abrir em agosto uma mostra com obras da coleção de Roger Wright, um dos principais acervos do pop brasileiro, a temperatura deve aumentar ainda mais. Tozzi, com 12 trabalhos nessa futura exposição, talvez volte a ter então a atenção que não teve ao longo das últimas décadas.

    "Eles são atuantes, mas estão silenciosos", afirma o marchand Ralph Camargo, que na década de 1960 lançou Tozzi e outros nomes do pop nacional, sobre os remanescentes dessa geração. "Isso é uma revisão histórica."

    No caso, uma revisão que vem na ressaca da febre em torno dos brasileiros do concretismo e do neoconcretismo no mundo. Esgotadas as pesquisas sobre essas vanguardas dos anos 1950, o foco, tanto dos museus quanto do mercado, agora se desloca para a década seguinte.

    ESTÉTICA DE PROTESTO

    De volta aos holofotes, a nova figuração, como ficou conhecida a vertente nacional da arte pop, também passa por uma reavaliação crítica, perdendo a pecha de versão menor ou regional daquilo que fizeram europeus e americanos.

    "Nosso pop se reveste desse caráter de protesto, de engajamento político", diz a crítica Maria Alice Milliet, que organizou há três anos a mostra de Antônio Henrique Amaral na Pinacoteca. "Era a consciência de uma cultura urbana, massificada e muito sintonizada com o seu tempo."

    E com os tempos atuais. As visões das multidões fugindo da polícia pintadas por Tozzi em preto e branco ecoam a violência dos protestos que abalam o país desde junho de 2013.

    Nos anos 1960, então ainda aluno da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP na rua Maranhão, no centro paulistano, Tozzi fotografava de perto os conflitos, como a célebre batalha da rua Maria Antonia, em 1968. Mais tarde, no ateliê, reduzia as imagens a manchas de cor contra um fundo neutro, enfatizando o anonimato das massas.

    Sua série batizada "Multidões" veio depois de um primeiro retrato que pintou de Che Guevara, destruído por militares no Salão de Brasília em 1967. Restaurada depois e vista junto às massas em protesto, sua visão do revolucionário é o outro lado de seu projeto plástico.

    Enquanto retratava celebridades como Guevara e, mais tarde, Pelé, Tozzi buscava uma identificação imediata do povo com sua obra, ao contrário da tentativa de emoldurar e glorificar o povo como motor da resistência em outras telas.

    "Eram os ícones de massa. O Guevara era uma figura linda, um homem muito bonito. Tinha também o Garrincha", diz o artista. "A gente vendia na saída do futebol a preço de custo. Existia essa visão meio purista, meio romântica, até atrasada, de tentar fazer uma coisa mais popular."

    No caso de Pelé, Tozzi também fazia uma crítica indireta à instrumentalização da imagem do jogador como peça de propaganda do regime.

    "Tozzi agia como um parasita, pegando uma imagem e injetando nela uma mensagem muito forte", diz Bartholomew Ryan, um dos organizadores da mostra sobre o pop global na Filadélfia. "Era perigoso o que fazia, dava a ideia do aspecto sinistro dos mecanismos de controle do povo."

    Em paralelo ao perigo mais explícito, o artista também criou uma de suas séries mais célebres e sutis, a dos astronautas. Usando tinta trazida dos Estados Unidos por uma aeromoça da Varig, ele criou composições futuristas, de superfícies brilhantes, seguindo a moda espacial que despontou depois da chegada do homem à Lua.

    "Era a mesma tinta que revestia o interior dos foguetes", diz o artista. "Fazia uma pincelada muito fluida, com formas mais delicadas. Eu via ali um movimento muito sereno, de ausência da gravidade."

    INFLAÇÃO
    "É só a ponta de um iceberg, como se uma caixa de Pandora estivesse sendo aberta", afirma Cecilia Brunson, dona da galeria em Londres que abre uma mostra individual de Claudio Tozzi em 23 de janeiro, sobre a descoberta do artista pelo público europeu.

    "Ele representa um momento histórico tão forte que tinha de ser revisitado, é uma voz que precisa ser ouvida."

    E consumida. Desde que obras de Tozzi, Raymundo Collares, Antônio Dias, Wesley Duke Lee, Marcello Nitsche e de outros nomes da arte pop nacional apareceram na mostra "The World Goes Pop", em cartaz na Tate Modern até 24 de janeiro, galeristas do mundo todo se preparam para lucrar com a redescoberta desse movimento.

    Enquanto peças de Tozzi até agora atingiram no máximo R$ 65 mil em leilões no Brasil -o recorde na Bolsa de Arte foi há três anos-, a Cecilia Brunson Projects, em Londres, terá obras do artista por mais de dez vezes esse valor, ofertadas por cerca de R$ 810 mil.

    No entanto, a escassez de obras desses artistas feitas nos anos 1960 e 1970, a fase áurea do movimento, limita o potencial dessa explosão.

    A crise econômica que se agrava no Brasil também indica que essas peças devem deixar o país, já que marchands tentarão emplacar vendas lá fora para lucrar com a alta do dólar -a mostra de Tozzi em Londres é organizada em parceria com a paulistana Almeida e Dale.

    Números compilados pelo governo corroboram essa fuga de obras para o exterior -no ano passado, as principais galerias do país exportaram cerca de R$ 271 milhões em obras, quase o dobro dos R$ 137,5 milhões vendidos para fora em 2014.

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