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    Músicos comentam a série 'Mozart in the Jungle', que venceu Globo de Ouro

    LAURA M. HOLSON
    DO "NEW YORK TIMES"

    19/01/2016 17h02

    aul Drinkwater/NBC/Associated Press
    In this image released by NBC, Gael Garcia Bernal accepts the award for best actor in a TV comedy series for his role in "Mozart in the Jungle," at the 73rd Annual Golden Globe Awards at the Beverly Hilton Hotel in Beverly Hills, Calif., on Sunday, Jan. 10, 2016. (Paul Drinkwater/NBC via AP) ORG XMIT: NYET742
    Gael Garcia Bernal durante o Globo de Ouro 2016

    No último dia 10, quando o ator mexicano Gael García Bernal recebeu um Globo de Ouro pelo papel de um impetuoso regente de orquestra em "Mozart in the Jungle", os telespectadores ficaram tão espantados quanto ele próprio. Mais ainda quando a comédia da Amazon, dirigida por Paul Weitz, sobre a fictícia orquestra New York Symphony passou à frente de séries como "Veep" e "Transparent" na categoria de melhor seriado cômico.

    Como disse o ator Albert Brooks no Twitter depois de a série receber seu segundo Globo de Ouro: "Se 'Mozart in the Jungle' receber mais prêmios, alguém vai ter que assistir."

    Mas talvez o resto do mundo esteja apenas agora alcançando o enclave da música erudita em Nova York. Há um ano a série é o grande assunto nas salas de concertos, nos corredores de conservatórios e nos poços de orquestra, principalmente por ser baseado na autobiografia de 2005 escrita por Blair Tindall, ex-oboísta freelancer nova-iorquina que muitos músicos conhecem ou de quem já ouviram falar.

    assista ao trailer

    Em seu livro, Tindall, que tem 55 anos hoje, escreveu sobre as noitadas regadas a cocaína e as aventuras sexuais libertárias dos músicos eruditos nos anos 1980 e 1990. As revelações causaram escândalo quando o livro foi publicado, em grande medida porque os pseudônimos usados por Tindall mal escondiam quem tinham sido seus parceiros. Ela teve uma vida tão desregrada na época que, aparentemente, as únicas pessoas dispostas a lhe dar ouvidos trabalhavam em Hollywood.

    Os produtores não sabiam se a série refletiria a experiência particular da autora ou se encontraria eco no cenário nova-iorquino mais contemporâneo. Eles chegaram a um meio-termo, criando um drama excêntrico que trata de um mundo competitivo.

    Os músicos que já viram "Mozart in the Jungle" dizem que a série está pouco a pouco encontrando um público entre os amantes da música clássica em Nova York, atraídos pelo afável García Bernal e a oboísta de 20 e poucos anos representada por Lola Kirke, irmã de Jemima Kirke, de "Girls". A presença de Bernadette Peters, favorita da Broadway, como gerente da orquestra, também ajuda.

    Os produtores contrataram músicos de Nova York para ser figurantes, de modo que outros músicos podem divertir-se identificando seus pares no seriado. A segunda temporada está cheia de pontas de celebridades do mundo da música clássica, incluindo instrumentistas como Joshua Bell, Lang Lang e o pianista premiado com o Grammy Emanuel Ax, que jogou o videogame interativo "Dance Dance Revolution" num barzinho em um episódio. O venezuelano Gustavo Dudamel, famoso regente da Los Angeles Philharmonic, é visto como técnico dos bastidores da orquestra.

    "Já ouvi muitos colegas descreverem 'Mozart in the Jungle' como um prazer que gera sentimento de culpa", comentou Lara St. John, violinista canadense que já tocou com muitas das maiores orquestras sinfônicas. "Mas não vejo onde entra o sentimento de culpa."

    Ela acompanha a série desde que estreou, em 2014, e disse que a trama geral é convincente, apesar de algumas liberdades artísticas. "Conheço um monte de gente que toca em várias apresentações por noite para ganhar dinheiro", ela disse. "E todos nós conhecemos gente como Pembridge" —um ex-regente egomaníaco representado por Malcom McDowell. Mas ela admitiu que é beneficiada pela distância profissional. "Não conheço as pessoas que aparecem no livro, então nada me incomoda."

    Jason Schwartzman, um dos produtores da série, disse que a intenção não foi recriar Nova York nos anos 1980, nem fazer um documentário sobre a vida de Tindall. A Aids teve um impacto profundo sobre a comunidade da Broadway na época. As drogas e o sexo casual estavam em toda parte. "Nosso seriado não é uma adaptação do livro, mas o livro inspirou isso tudo", ele disse, em entrevista por telefone. "O livro de Blair marcou o momento em que o véu de discrição em torno da música erudita foi levantado."

    A oboísta freelancer Marilyn Cole foi contratada para treinar Lola Kirke para o papel de Hailey Rutledge, que chega a Nova York com o sonho de ingressar numa orquestra de nível mundial. Cole, que já tocou em espetáculos da Broadway e em várias orquestras, disse que seu receio principal era que os produtores mostrassem seus colegas músicos de Nova York como mesquinhos, sempre lançando farpas uns contra os outros. Eles não o fizeram. "Eu vim para cá e encontrei uma comunidade do oboé que é realmente uma comunidade", ela explicou.

    Cole orienta Kirke quando ela "toca oboé" nas filmagens (com algumas exceções para os créditos e cenas selecionadas, a música vem de gravações previamente existentes e licenciadas). Previsivelmente, as críticas principais à atuação da atriz vieram de oboístas. "Mas outras pessoas, não oboístas, gostam do trabalho dela", disse Cole.

    Ali Goldstein/Divulgação
    Mozart in the Jungle Ali Goldstein/Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena da série "Mozart in the Jungle"

    A verdade é que todos têm uma opinião. Paul Weitz cresceu em Nova York e ouviu o parecer de Orin O'Brien, amiga de sua família, que em 1966 tornou-se a primeira mulher a integrar a New York Philharmonic. "Ela não gostou dos palavrões que os personagens falam", ele comentou, rindo.

    Blair Tindall, que inspirou a personagem de Hailey, vive em Los Angeles e tem uma vida interessante fora das salas de concertos. Em 2007, seu casamento de poucos meses com Bill Nye —ou "The Science Guy"— foi declarado nulo (o pastor de megaigreja Rick Warren tinha oficializado a cerimônia no ano anterior diante de 400 pessoas, numa conferência sobre entretenimento). Pouco depois disso, Nye pediu à Justiça uma ordem obrigando Tindall a manter distância dele, alegando tê-la flagrado, vestida de preto e de chapéu, tentando jogar veneno em seu roseiral. Em entrevista por telefone, Tindall disse que estava estressada na época e que nunca teve a intenção de fazer mal a Nye.

    Jornalistas que criticam "Mozart in the Jungle" também vêm causando problemas a Tindall. No ano passado ela brigou on-line com Margaret Lyons, colunista de televisão da revista "New York", depois de Lyons ter tuitado que as cenas em que se tocava oboé no seriado não eram convincentes. "Foi apenas uma observação", disse Lyons. "A fidelidade desse tipo de coisa não garante o sucesso ou fracasso de um programa."

    Tindall também lançou farpas contra Anne Midgette, a crítica principal de música erudita do "Washington Post", que desancou seu livro em uma resenha de 2005 no "New York Times" e descreveu a primeira temporada de "Mozart" como "a noção de um aluno de sétima série de como pode ser a vida de músicos clássicos".

    "Fico realmente revoltada quando pessoas escrevem alguma coisa, mas não têm histórico ou formação para saber do que estão escrevendo", disse Tindall, observando que os críticos de música, em sua maioria, não são músicos profissionais. Midgette —que é casada com o crítico e compositor Greg Sandow— não deu declarações sobre a desavença. A resenha que ela escreveu da segunda temporada de "Mozart" foi mais favorável.

    "Fico feliz por ela ter gostado mais", comentou Tindall. "Espero que ela tenha entendido que eu não sou monstro."

    Divulgação
    Televisão: o ator Gael García Bernal em cena da série "Mozart inte the Jungle". (Foto: Divulgação) *** DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM ***
    O ator Gael García Bernal em cena da série "Mozart inte the Jungle"

    Mas alguns músicos dos tempos da autora sentem dificuldade em assistir a "Mozart in the Jungle" ou evitam o seriado por completo. "Não é que eu odeie Blair", explicou Randall Ellis, oboísta principal do Mostly Mozart Festival. "Só não gosto de algumas coisas que ela escreveu no livro." Ele desistiu de assistir à série depois de ver o piloto, irritado por uma cena em que uma violoncelista se atrasa para um concerto. "Num caso assim, ou você não entra no poço da orquestra ou é demitido no dia seguinte", explicou.

    Mas a violinista Victoria Paterson, que trabalhou na série "Smash" e fez turnê com Barbra Streisand, disse que já viu vários episódios de "Mozart in the Jungle" e gostou. "A música clássica não é uma coisa tão nerd assim", explicou. Ela discorda de algumas das caracterizações feitas por Tindall no livro, como a de uma flautista com quem trabalhou em "Fantasma da Ópera". "Blair zombou dela e a fez parecer chata", disse Paterson. "Mas nós não a vemos assim."

    O que mais a irrita, porém, são seus colegas que dizem que "Mozart in the Jungle" não reflete seu cotidiano real. "É claro que não", disse Paterson. "Você tem 40 anos e dois filhos. Tem que buscar os filhos na escola. Ninguém vai criar um seriado sobre isso."

    Tradução CLARA ALLAIN

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