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    Grupo de teatro disseca de que forma a mentira afeta o cotidiano e a política

    GUSTAVO FIORATTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    21/01/2016 02h20

    Se a mentira tem ou não pernas curtas, não é só disso que "Cenas Insurgentes" vai tratar. No espetáculo que a companhia Teatro de Narradores leva ao Sesc Ipiranga a partir desta quinta (21), esse conhecido verbo nosso (quem nunca?) reverbera questões mais amplas do que as de quiproquós dos melodramas, faz irromper sentido ético.

    "Em que medida a mentira pode atravessar nossa prática –o sentido político do que a gente faz–, e como nós lidamos com essa questão?, perguntou-se o diretor do grupo, José Fernando Azevedo, antes mesmo de começar a criar.

    A pesquisa recorreu a um texto que fundamentou a questão da mentira no teatro, "Filoctetes", obra da fase madura de Sófocles.

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Sao Paulo, SP, Brasil. Data 17-01-2016. Espetaculo Cenas Insurgentes - Solo(s) Para Um Coletivo. Maneiras Tragicas de matar uma mulher. Atriz Teth Mainello. Sesc Ipiranga/Auditorio. Foto Lenise Pinheiro/Folhapress
    Teth Mainello em 'Maneiras Trágicas de Matar uma Mulher'

    O tragédia grega não será reconhecida em "Cenas Insurgentes", senão por menções a personagens relacionadas. Vale saber, porém, que Filoctetes é um personagem que guarda armas poderosas, e que Ulisses, para conquistá-las, pede para que Neoptólemo, filho de Aquiles, conte mentiras deslavadas a ele.

    Está aí o contexto da nova criação do Teatro de Narradores. Mas o que o espectador vai ver? O que sobra dessa história toda sobre a mentira?

    O primeiro solo, "Maneiras Trágicas de Matar uma Mulher", sempre às quintas, com concepção, dramaturgia e atuação de Teth Maiello, extrai da história de "Filoctetes" alguns de seus personagens, faz uma espécie de oração a Aquiles ritmada pelo funk.

    Mailello dança, mesmo quando não há música, e canta texto livre sobre a história trágica de seu amor por Polixena, que mais tarde será assassinada justamente por Neoptólemo, o mentiroso do original de Sófocles.

    PASOLINI

    No segundo solo (às sextas), "Estamos Todos em Perigo", interpretado pelo diretor do grupo, a plateia debate um espetáculo que ninguém viu. Azevedo inicia uma conversa sobre a qual repousa o acordo entre público e intérprete de que houve uma sessão anterior ao início do que é, ela própria, a peça.

    Na conversa, o ator dispara, randomicamente, trechos extraídos da última entrevista do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, concedida a Furio Colombo no dia 1º de novembro de 1975, horas antes do assassinato do diretor.

    O terceiro solo, concebido e interpretado por Renan Tenca Trindade (aos sábados) relaciona "Filoctetes" às situações contemporâneas do mundo e da política criada em torno da ideia (falsa ou verdadeira?) de democracia.

    Por fim, o quarto e último solo (encenado aos domingos), com Leandro Simões e direção de Rafael Souza Lopes, propõe a criação de uma instalação sonora. Simões desdobra uma última questão: "O que é 'estar presente'?".

    Talvez seja mais apropriado identificar essa série do Teatro de Narradores como uma ramificação das pesquisas recentes do grupo.

    As quatro peças contidas em "Cenas Insurgentes" têm como paralelo outro trabalho desenvolvido pelo grupo, "Cidade Vodu", com haitianos que vivem em São Paulo.

    Segundo Azevedo, foi desta criação que surgiu o mote da mentira: "Muitos haitianos chegam aqui e se defrontam com a realidade do racismo por trás da nossa cordialidade", diz o diretor. O espetáculo estreia em março, na programação da MITsp - Mostra Internacional de Teatro.

    CENAS INSURGENTES — SOLO PARA UM COLETIVO
    QUANDO qui. e sex., às 21h30, sáb., às 19h30, e dom., às 18h30; até 21/2
    ONDE Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000
    QUANDO R$ 6 a R$ 20
    CLASSIFICAÇÃO 14 anos

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