• Ilustrada

    Saturday, 18-May-2024 10:33:09 -03

    Grupo de teatro encena obra-prima de Pasolini em escola abandonada de SP

    MARIA LUÍSA BARSANELLI
    EDITORA-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

    22/01/2016 02h15

    Crítico do capitalismo, Pier Paolo Pasolini (1922-1975) usou de alegorias matemáticas para esmiuçar a burguesia em seu "Teorema", filme de 1968 que no mesmo ano ganhou uma versão em livro do próprio diretor.

    Se não um estudioso das ciências exatas, o cineasta e escritor italiano buscava no universo dos números uma equação –na matemática, teoremas são proposições que podem ser demonstradas por um processo lógico– para desvendar o que ele considerava os problemas da sociedade contemporânea.

    Problemas que ganham ares brasileiros em "Teorema 21", adaptação teatral da obra que o Grupo XIX estreia nesta sexta (22), em São Paulo.

    "Queríamos discutir o capital", explica o diretor Luiz Fernando Marques. "Porque agora só se fala em crise, e a gente tem a sensação horrível de que essa crise pode colocar o Brasil para trás."

    O filme e o livro de Pasolini criam um retrato crítico da burguesia a partir da história de uma família que retorna ao seu antigo lar. Tudo parece estável até a chegada de um estrangeiro. Sua presença é uma provocação, como se desvendasse o moralismo e desequilibrasse a frágil estrutura da casa.

    INGENUIDADE

    A versão do XIX se aproxima mais da frieza analítica presente no livro do italiano –o filme tem tom mais contemplativo. E tenta transpor aquele teorema para o século 21 e para a realidade nacional.

    "O retrato de Pasolini existiu na Europa, mas traz um sonho da esquerda de que a burguesia seria frágil. Talvez não exista mais essa ingenuidade", afirma Alexandre Dal Farra, que assina a dramaturgia.

    Trailer do filme "Teorema"

    Na peça, mudam as perturbações causadas pelo estrangeiro, explica Marques. A moral do sexo, por exemplo, conceito forte na obra do italiano, dá lugar a outros temas, como a violência e o cinismo.

    "Agora a percepção é a de que o capital pode se adaptar. O estrangeiro é modificado pela família", diz Dal Farra.

    Integrante da companhia Tablado de Arruar, o dramaturgo faz aqui a sua segunda parceria com o XIX –a primeira foi em 2013, com "Nada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo está Acontecendo".

    Para atualizar a trama, o grupo buscou também referências em outras obras. Caso do derradeiro filme de Pasolini, "Saló ou 120 Dias de Sodoma", de "Violência Gratuita" (1997), de Michael Haneke, e "Dente Canino" (2009), de Yorgos Lanthimos.

    "São trabalhos que têm como pano de fundo algum tipo de fascismo, um tema sobre o qual Pasolini falava muito em seus últimos anos", comenta o dramaturgo.

    A peça é encenada dentro de um imóvel abandonado no qual funcionava, até 1953, uma escola para meninas.

    O endereço fica na Vila Maria Zélia, uma antiga vila de operários na zona leste paulistana onde está instalada a sede do XIX, grupo que se firmou, entre outros, pela exploração de prédios históricos.

    Em ruínas, já sem teto e tomada pelas árvores, a escola é o único cenário do espetáculo. "É um espaço cru, que se impõe", comenta Marques. Só foram acrescidos ao local os bancos de couro giratórios nos quais se senta a plateia.

    Não se trata de uma peça interativa, explica o diretor, mas o púbico é inserido na cena. "A gente provoca a plateia nesse papel de testemunha: faz cenas muito de perto e outras muito de longe."

    TEOREMA 21
    QUANDO sex. a dom., às 18h; até 5/3
    ONDE Vila Maria Zélia, r. Mário Costa, 13, tel. (11) 2081-4647
    QUANTO grátis
    CLASSIFICAÇÃO 18 anos

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024