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    ANÁLISE

    Filme 'Os Dez Mandamentos', da Record, segue clássico de Cecil B. DeMille

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    26/01/2016 02h00

    Divulgação
    Uma das cenas da travessia do Mar Vermelho na novela bíblica "Os Dez Mandamentos", da rede Record. Na foto, Moisés (Guilherme Winter). EXCLUSIVO ILUSTRADA Crédito: Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Uma das cenas da novela bíblica 'Os Dez Mandamentos', que chega aos cinemas em 28/1

    "Os Dez Mandamentos" é, desde sempre, uma questão de fé. No tempo de Cecil B. DeMille, fé na democracia, no anticomunismo, no erotismo.

    Sim, porque na versão mais célebre de "Os Dez Mandamentos" a luta se dava entre o povo da fé, os judeus, e os egípcios materialistas, ou politeístas —o que para DeMille podia significar a mesma coisa.

    Como se sabe, Moisés seria o judeu criado por uma egípcia que volta a seu povo para, sob as ordens de Deus, libertá-lo da escravatura.

    Na versão de 1956 (ele mesmo fez outra, muda, em 1923), DeMille acrescenta por conta própria que Nefertiti, a futura mulher do faraó Ramsés 2º, batia as asinhas para o lado de Moisés —maneira de criar um drama paralelo, à maneira hollywoodiana.

    Ao mesmo tempo, ele introduz com toda ênfase o personagem de Edward G. Robinson, Dathan, o judeu quinta-coluna. Maneira de criticar os esquerdistas de Hollywood, cuja perseguição o diretor e produtor incentivou com força.

    MOISÉS

    O melhor achado desse filme cheio de achados, diga-se, é ter dado a Charlton Heston o papel principal: Heston tem um ar de grandeza e pureza simultâneos, bem à altura do tamanho histórico do personagem.

    Essa diferença o espectador de "Os Dez Mandamentos" versão Igreja Universal logo sentirá: seu Moisés parecerá bem esquálido perto de Heston.

    Ao longo do filme notará que a produção da novela, embora muito boa, não poderá concorrer com DeMille. E, sobretudo, com os festins do cineasta, em que a safadeza corria solta (ah, todo mundo esperava pela cena do Bezerro de Ouro para ver as garotas agitando as pernas de fora).

    A novela teve o bom senso de seguir mais DeMille do que o recente "Êxodo: Deuses e Reis" (2014), em que Ridley Scott tenta uma versão despojada do mito. Ora, o Êxodo sem o mito, sem a intervenção divina e tal, não existe.

    A novela, sejam quais forem suas virtudes (e elas existem), sofria com a necessidade de criar diálogos e situações. E os diálogos eram de lascar —quando aquelas pessoas com figurino de primeira (veremos na tela grande se eram de primeira também para o cinema), a imagem que temos dos egípcios antigos, começavam a falar, parecia que estavam na praia no Rio.

    A operação da Record, convém prevenir, é arriscada: reduzir uma novela inteira a duas horas pode resultar num monstrengo. Ainda assim, será interessante ver na tela grande cenas como a da abertura do Mar Vermelho, que na TV não passaram vergonha perto da versão de 1956 (e eram uma beleza perto da de Ridley Scott).

    Para dizer em poucas palavras: talvez até não seja um bom filme, mas trata-se de uma operação que deixa todo mundo feliz.

    Os exibidores, que já garantiram mais de 2 milhões de ingressos; os distribuidores, que também lucram com isso; a Igreja Universal, que faz um barulho louco e ganha músculos em seu enfrentamento com o catolicismo; e a Ancine, que vê as estatísticas do cinema brasileiro subirem à altura do Monte Sinai.

    OS DEZ MANDAMENTOS
    DIREÇÃO Cecil B. DeMille
    ELENCO Charlton Heston, Yul Brynner e Anne Baxter
    PRODUÇÃO EUA, 1956, livre
    QUANTO R$ 47, edição especial dupla em Blu-ray

    OS DEZ MANDAMENTOS
    DIREÇÃO Alexandre Avancini
    ELENCO Guilherme Winter, Camila Rodrigues e Sérgio Marone
    PRODUÇÃO Brasil, 2015, 12 anos
    QUANDO estreia na quinta (28)

    Edição impressa

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