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    crítica

    'Anomalisa' difere ao propor mergulho doloroso na realidade

    RICARDO CALIL
    DE CRÍTICO DA FOLHA

    27/01/2016 02h20

    Há uma irônica contradição na obra de Charlie Kaufman. Os seres criados por ele e interpretados por atores em filmes como "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças" (2004) e "Quero Ser John Malkovich" (1999) sempre tiveram algo de desenho animado, um pé na caricatura.

    Já em "Anomalisa", os personagens agora "encarnados" por marionetes parecem, enfim, humanos. Em um primeiro momento, a técnica e a estética do filme, com seus bonecos de silicone hiper-realistas, reforçam o estranhamento sempre buscado pelo roteirista. Digerido o incômodo, percebe-se que este é seu filme mais realista –e, talvez, o melhor.

    Diferentemente de longas anteriores, "Anomalisa" quase não recorre à alegoria, o que o torna mais direto, menos barroco e pretensioso.

    Michael Stone (dublado por David Thewlis) é um famoso palestrante motivacional que ensina profissionais a se conectarem melhor com os consumidores. Em um golpe baixo (mas eficaz) de roteiro, ele é incapaz de se conectar emocionalmente com qualquer pessoa (incluindo mulher, filho e ex-amante). Para ele, todos têm a mesma voz e cara.

    Até que ele conhece a tímida Lisa (dublada por Jennifer Jason Leigh ), atendente de telemarketing. Aos olhos de Michael, ela tem voz e rosto únicos, excepcionais –o que a torna uma "anomalia".

    Alguns críticos americanos enxergaram uma crítica à uniformização da sociedade, tese desmentida no final.

    O problema aqui é menos a humanidade e mais o homem. Estritamente falando, Michael sofre da síndrome de Fregoli. Ele acredita que as pessoas à sua volta se disfarçam para se fazerem passar por outras.

    Em um sentido mais amplo, ele é uma pessoa deprimida, sem condições de reconhecer a individualidade e a beleza do mundo à sua volta.

    "Anomalisa" é um retrato acurado da depressão, e o mais perto que Kaufman chegou de realizar o velho desejo de diagnosticar um mal-estar contemporâneo.

    Enquanto a média das animações americanas nos oferece um escape da realidade, o filme de Kaufman se diferencia por propor um doloroso mergulho nela. "Anomalisa" é, também, uma anomalia.

    ANOMALISA
    DIREÇÃO Charlie Kaufman e Duke Johnson
    PRODUÇÃO EUA, 2015, 14 anos
    QUANDO estreia nesta quinta (28)

    Edição impressa
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