• Ilustrada

    Saturday, 18-May-2024 13:23:47 -03

    Oscar 2016

    Em meio a protesto no Oscar, drama de escravos bate recorde em Sundance

    DE SÃO PAULO

    27/01/2016 13h44

    BROOKS BARNES
    DO "NEW YORK TIMES"

    Com os protestos contra um campo formado apenas por candidatos brancos aos prêmios de atuação do Oscar deste ano e a exclusão de diversas histórias sobre personagens negros da disputa pela estatueta de melhor filme, Hollywood está sob extrema pressão nas últimas semanas para buscar mais produções de prestígio com diversidade nos elencos.

    E esta semana, no festival de Sundance, Nate Parker mostrou exatamente isso.

    "The Birth of a Nation", um drama intenso sobre uma revolta de escravos escrito e dirigido por Parker (que também interpretou o personagem principal), estreou em Sundance na tarde de segunda-feira (25).

    Os críticos responderam com entusiasmo instantâneo. Na manhã da terça (26), a Fox Searchlight havia vencido uma guerra pela aquisição dos direitos de distribuição do filme, oferecendo espantosos US$ 17,5 milhões —um recorde para o festival.

    assista

    Sublinhando a agressiva chegada dos serviços de vídeo on-line ao festival, o que em muitos casos serviu para elevar os preços, a Netflix apresentou oferta ainda mais alta, de acordo com uma pessoa envolvida na venda, que falou sob a condição de anonimato.

    O interesse de Parker em que seu filme fosse exibido em salas de cinema, qualificando-o para disputar o Oscar, pode ter influenciado na decisão em favor da Fox Searchlight.

    A distribuidora especializada, controlada pela 21st Century Fox, tem um longo histórico de sucesso no Oscar. Em 2014, ela manobrou de forma a conseguir nove indicações e três prêmios para "12 Anos de Escravidão", um filme de tema semelhante. A Fox também distribuiu "Birdman", o mais recente premiado com o Oscar de melhor filme.

    Nancy Utley e Stephen Giula, os presidentes da Fox Searchlight, afirmaram em comunicado que a "dedicação e talento artístico" de Parker, ao "revitalizar o legado e o lugar de Nat Turner na história, resultaram em um filme extraordinariamente comovente e convincente, que funciona em todos os níveis".

    "The Birth of a Nation" acompanha a trajetória de Nat Turner, um escravo e pregador alfabetizado e cortês que —depois de exposição a atos severos, como o uso de um martelo por um feitor para quebrar os dentes de um escravo desobediente— organiza uma rebelião extremista no sul dos Estados Unidos, no período anterior à guerra civil norte-americana. Os proprietários rurais e as forças armadas retaliam com severidade.

    Divulgação
    Cena do filme "The Birth of a Nation"
    Cena do filme "The Birth of a Nation"

    Aja Naomi King coestrela como Cherry, mulher de Turner e vítima de um terrível estupro coletivo. Arnie Hammer interpreta o proprietário da fazenda, às vezes gentil, às vezes brutal. O filme é a estreia de Parker como diretor.

    O roteiro se baseia em uma história real, e toma de empréstimo o título de um trabalho dirigido por D. W. Griffiths em 1915, considerado tanto um clássico do cinema por suas técnicas inovadoras de filmagem quanto racista por sua representação estereotipada dos negros e pelo retrato simpático que faz do Ku Klux Klan.

    "O filme de Griffith dependia pesadamente de propaganda racista para evocar medo e desespero, como forma de solidificar a supremacia branca como base de sustentação norte-americana", disse Parker, 36, em entrevista recente à revista "Filmmaker".

    Ele fez questão de acrescentar que "não só o filme motivou um forte ressurgimento do grupo terrorista Ku Klux Klan e dos massacres contra pessoas de origem africana como serviu de fundação à indústria cinematográfica que hoje conhecemos".

    assista ao trailer

    "The Birth of a Nation", de Parker, será parte de um subgênero de filmes sobre escravidão que tem conquistado apoio dos eleitores do Oscar nos últimos anos, apesar da lentidão da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em apoiar filmes que falem da experiência contemporânea dos negros dos Estados Unidos.

    Além de "12 Anos de Escravidão", "Amistad", de Steven Spielberg, sobre o motim em um navio negreiro, foi indicado a quatro Oscars em 1998; "Django Livre", de Quentin Tarantino, conquistou cinco indicações em 2013, entre as quais a de melhor filme, e levou dois Oscars.

    Embora não exista registro oficial quanto aos preços dos filmes do Sundance, a venda de "The Birth of a Nation" superou por larga margem os marcos anteriores, entre os quais "Pequena Miss Sunshine", adquirido pela Fox em 2006 por cerca de US$ 12 milhões, considerada a inflação. Um preço alto, claro, mas que não necessariamente significa sucesso de bilheteria. A Focus Features em 2008 pagou cerca de US$ 11 milhões pela comédia "Hamlet 2", que só arrecadou metade dessa quantia em venda de ingressos.

    A Fox foi a primeira distribuidora tradicional a causar barulho no Sundance deste ano. Na primeira metade do festival de 11 dias de duração, os compradores mais entusiásticos foram a Amazon, que ficou com cinco filmes, entre os quais o prestigiado drama "Manchester by the Sea", e a Netflix, que fez quatro aquisições significativas, o que inclui a compra de "The Fundamentals of Caring", uma comédia dramática, por US$ 7 milhões.

    Entre os interessados derrotados na disputa por "The Birth of a Nation", cuja venda foi negociada por meio da agência William Morris Endeavor, estão a Paramount, Universal, Sony e Weinstein.

    A produção de "The Birth of a Nation", um filme com financiamento independente, teve custo calculado em US$ 10 milhões. Parker, conhecido por seu trabalho como ator nos filmes "Esquadrão Red Tails" e "O Grande Desafio", passou sete anos trabalhando no filme, embora a rodagem, realizada na Geórgia, tenha requerido menos de um mês.

    Em uma demonstração incomum de apoio, ao menos pelos padrões do Sundance, "The Birth of a Nation" foi aplaudido de pé antes mesmo de ser exibido. O momento, que criou uma sensação de catarse depois de dias de protesto contra a ausência de atores negros na lista de indicados ao Oscar, coincidiu com a apresentação de Parker para o filme, no Eccles Theater, de 1.220 lugares. O diretor aparentemente levou com ele à sala praticamente toda a equipe e elenco do filme, e eles se levantaram das cadeiras quando Parker apareceu.

    Depois dos créditos finais —de novo em meio a gritos entusiásticos e aplausos—, Parker falou sobre a maneira pela qual as injustiças raciais e atrocidades retratadas no filme continuam a ecoar profundamente ainda hoje. "Você é passivo, ou você é corrupto e cúmplice?", ele perguntou à audiência. "Não há campo neutro".

    Ele acrescentou que "fiz este filme por um motivo: com a esperança de criar agentes para a mudança. Que as pessoas assistam a ele e se deixem afetar. Que você possa assistir a esse filme e saber que existiram sistemas e pessoas corruptos, e que o legado disso ainda nos acompanha".

    Tradução PAULO MIGLIACCI

    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024