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    Pernambucano chama a atenção com filme sobre vaca em crise existencial

    GUILHERME GENESTRETI
    ENVIADO ESPECIAL A TIRADENTES (MG)

    01/02/2016 02h22

    Leo Lara/Universo Produção
    O cineasta pernambucano Tião (Tiao), diretor do filme "Animal politico" durante o festival de Tiradentes 2016 Foto: Leo Lara/Universo Producao. ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O cineasta pernambucano Tião, diretor de 'Animal Político', durante a Mostra de Cinema de Tiradentes

    Era uma atriz até que tranquila, mas não suportava longas horas de filmagem e fazia a equipe se dobrar para atender aos seus caprichos: tinha de chegar antes de todos no set e ser transportada de carroça. Numa feira de animais no Recife, seus olhinhos profundos encantaram o diretor.

    Cerveja é a vaca malhada, atolada em vazio existencial, que protagoniza "Animal Político", primeiro longa de Tião, apelido que virou nome artístico do diretor pernambucano Bruno Bezerra, 32. O filme estreou na 19ª edição da Mostra de Tiradentes, meca do cinema autoral brasileiro e que terminou no sábado (30).

    "Sou uma pessoa simples, não preciso de luxo", narra o bovino que trota pelo shopping, corre na esteira, vai à balada. Numa sequência rodada em VHS, relembra a infância em parques de diversão e festas de criança.
    Até que, num Natal, em meio a canapés e presentes, sentiu que "algo estava errado, um sentimento de vazio inexplicável". Eis que a vaquinha malhada decide vagar sozinha para ruminar alguma iluminação e topa com um robô no deserto que cita Buda.

    "Coloquei essa vaca para que as pessoas olhassem as banalidades das nossas situações com algum distanciamento", explica Tião à Folha. "Imaginei a vaca fazendo coisas do cotidiano e embarquei nessa, foi meio viciante", diz.

    Leo Lara/Universo Produção
    Cena do filme "Animal Politico", do cineasta pernambucano Tião (Tiao) Foto: Leo Lara/Universo Producao. ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    A vaca Cerveja, protagonista do filme 'Animal Político', do cineasta pernambucano Bruno Bezerra, o Tião

    "Animal Político" foi rodado entre 2010 e 2013, em brechas nas agendas dos amigos, com um orçamento de cerca de R$ 400 mil, segundo Tião. Ele, que começou a fazer curtas ainda durante a faculdade de jornalismo, despertou para o cinema em boa parte graças a filmes de David Lynch, David Fincher, Spike Jonze e Charlie Kaufman.

    Feito ainda na faculdade, o curta experimental "Muro" (2008) rendeu a ele seu primeiro prêmio na Quinzena dos Realizadores, seção paralela à mostra competitiva de Cannes, façanha repetida em 2014 com "Sem Coração", sobre uma garota com marca-passo que é alvo de chacota.

    O feito fez Tião despontar na prolífica cena do cinema pernambucano, marcada por produções autorais. "O fato de lá não termos essa ilusão de que nossos filmes serão de massa faz com que a gente não tente emular a indústria."

    Com "Animal Político", o diretor embarca nesta semana para o Festival de Roterdã, onde o longa é descrito como "comédia bovina que resulta num horror humano".

    Atriz principal, a vaca Cerveja, claro, não vai junto. Hoje mora na fazenda do pai de uma das produtoras do filme.

    'NOVATO' DE 83 ANOS

    Festival despojado, de debates conduzidos por mediadores trajados com bermudas, a Mostra de Tiradentes atua como farol de novos nomes do cinema brasileiro.

    Na Aurora, seção do festival dedicada a obras de diretores em seus primeiros longas, chamou a atenção neste ano um "novato" de 83 anos e 60 de carreira, o baiano Luiz Paulino dos Santos, diretor do documentário "Índios Zoró".

    Dono de um inseparável chapéu branco que já o anunciava de longe pelas ruas de Tiradentes, o ex-parceiro de Glauber Rocha, autor de curtas e roteiros, filmou o próprio reencontro com uma tribo de índios de Rondônia, registrados por ele há 30 anos.

    Já "Banco Imobiliário", do paulista Miguel Antunes Ramos, 27, destrincha a especulação imobiliária. "Viver em São Paulo é ver os prédios sendo construídos, mas queria saber quem era o sujeito oculto por trás disso", diz o diretor.

    No debate que se seguiu à exibição do filme, Ramos foi chamado de irônico ao costurar imagens e depoimentos de corretores e incorporadores: um deles balbucia e não consegue definir o que é uma cidade, outro revela todas as táticas para comprar terrenos.

    A mais acalorada das discussões, porém, deu-se com "Jonas", de Lô Politi, 49 —filme sobre um jovem pobre (Jesuíta Barbosa) que sequestra a garota rica por quem sempre foi apaixonado (Laura Neiva) e exibido na seção Transições. Fechados no interior de um carro alegórico em forma de baleia, os dois se envolvem.

    "É uma relação abusiva, é estupro", tacharam alguns. Da outra metade do público responderam: "É uma relação de confiança". Um diretor berrou: "Este filme não devia estar em Tiradentes". Mas Tiradentes é assim mesmo.

    O jornalista GUILHERME GENESTRETI viajou a convite da Mostra de Tiradentes

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