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    Na surdina, humorista Louis C.K. lança websérie dramática encenada em bar

    LUCIANA COELHO
    COLUNISTA DA FOLHA

    03/02/2016 02h07

    Em tempos nos quais cortes de cabelo de subcelebridade não passam sem comunicado à imprensa e produtoras, editoras e gravadoras se esforçam para controlar quando se escreve sobre uma obra, não deixa de ser um alento o que o humorista Louis C.K. fez nesta semana.

    Sem preliminares, fãs de C.K. inscritos em seu site (louisck.net) receberam na noite de sábado (30/1) um e-mail lacônico: "Oi. O episódio 1 de 'Horace and Pete' está disponível para download por US$ 5. Vá lá e assista. Esperamos que goste."

    Ninguém, público ou mídia, sabia o que era "Horace and Pete". Nenhuma linha, antes desse e-mail, fora escrita sobre "Horace and Pete". Não houve divulgação. O site IMDb, que serve de compêndio anglófono da TV e do cinema, não tinha, três dias depois, dados da produção.

    Mas "Horace and Pete" tem, além de C.K., Alan Alda ("M*A*S*H*"), Steve Buscemi ("Cães de Aluguel"), Jessica Lange ("Tootsie" e "Céu Azul") e Edie Falco ("Família Soprano") no elenco.

    Divulgação
    Legenda: Cena do seriado â€Horace and Pete', do comediante Louis C.K. Crédito: Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Aidy Bryant, Steve Buscemi e Louis C.K. em cena de 'Horace and Pete', dirigida e escrita por Louis C.K.

    A única canção da trilha foi escrita e gravada para a série por Paul Simon ("Não posso reclamar/ dos meus problemas/ Estou bem com as coisas como estão", dizem os primeiros resignados versos, dando o tom da série). E o texto ecoa na cabeça do espectador durante dias.

    Não foi à toa que ganhou resenhas arrebatadas, quase comovidas, no "New York Times" e na "New Yorker" ("criação audaciosa", "não se parece com nada na TV").

    "Horace and Pete", na qual os parcos risos são nervosos, tende a se tornar um divisor de águas dramatúrgicas para o humorista de 48 anos.

    TELETEATRO

    Até então ele era conhecido pelos shows de "stand-up" e pela melancólica mas engraçadíssima "Louie", em que faz versão caricata de si mesmo, como um Jerry Seinfeld com coração. Após cinco anos no canal FX, a série entrou em hiato (agora justificado) em 2015.

    Embora o cinismo de C.K. continue evidente, o tom é de um drama prestes a explodir. A linguagem empresta algo de "Lucky Louie", série que manteve entre 2006 e 2007 na HBO, mas sua essência não vem de sitcoms, piadas de bar nem dos roteiros de talk-show que o talharam, e sim do teatro.

    A maior parte dos 67 minutos do episódio se dá em um plano sem cortes, no pub que dá título à série, com som ambiente, personagens que se apresentam ao entrar em cena e ação amparada em falas bem calculadas.

    É quase como se Tennessee Williams resolvesse escrever uma série, e tamanho é o impacto do episódio inicial que há razão para se duvidar que os próximos mantenham essa mesma força dramática.

    Enquanto séries hoje sejam lançadas aos lotes, sem necessariamente terem fôlego para tanto, C.K. não avisou quando sai o próximo capítulo –a ver se o modelo de distribuição funcionará, embora tenha atraído a atenção.

    A julgar pelas linhas em branco, no site, sob o título do primeiro, seriam quatro, sempre para baixar ou ver em streaming, inclusive no Brasil, embora não haja legenda.

    Tampouco está claro se os demais custarão os mesmos US$ 5 (R$ 20). Na Amazon ou no iTunes, um episódio de série custa US$ 2 ou US$ 3.

    C.K. é o Horace do título, um contador de 50 e poucos anos preso a relacionamentos estéreis com namorada/filhos/trabalho, que herda do pai, homônimo, a missão de tocar o centenário pub da família com um Pete –o da vez é seu irmão, vivido por Buscemi.

    O Pete anterior, seu tio (um devastador Alan Alda), ainda toma conta do balcão, no qual despeja bebidas aguadas e doses fartas de recalque para convivas que discutem política ou apenas tentam esquecer os problemas do dia.

    Aidy Bryant, ótima, é a filha. Lange é Marsha, a namorada do Horace já morto, sempre empertigada no balcão. Falco é Sylvia, a irmã que chega para sacudir a família. Ninguém ali parece satisfeito, e nunca há nada para celebrar.

    Horace and Pete, o bar, é um antro de infelicidade que, embora esteja no Brooklyn, em 2016 –a série faz bom uso da campanha presidencial nos EUA para marcar a data e cutucar feridas sociais–, poderia estar em qualquer lugar.

    O diálogo de clientes sobre o que é direita e o que é esquerda, por exemplo, se adequaria ao Brasil. É raro surgir, mesmo na já extensa nova era de ouro da TV, algo tão universal.

    NA INTERNET
    HORACE AND PETE
    1º capítulo da série
    ONDE disponível em louisck.net
    QUANTO US$ 5 (cerca de R$ 20)

    *

    RAIO-X
    LOUIS C.K.

    Nascimento
    12 de setembro de 1967, Washington D.C., EUA

    Roteirista e diretor
    Escreveu o roteiro de programas como 'Late Show', de David Letterman, e as séries 'Louie' e 'Live at the Comedy Store', que também dirigiu

    Ator
    Além de protagonizar 'Louie', ele também participou de filmes como 'Trumbo - Lista Negra', indicado ao Oscar de 2016, e 'Blue Jasmine', dirigido por Woody Allen

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