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    MinC não deve recorrer após veto do TCU a projetos lucrativos na Rouanet

    RODOLFO VIANA
    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE SÃO PAULO

    04/02/2016 17h32 - Atualizado às 21h11

    Leo Lemos/Folhapress
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 10-12-2015, entrevista com Juca Ferreira - Ministro da Cultura - (FOTO: Leo Lemos/FOLHAPRESS *** EXCLUSIVO FOLHA ***
    Juca Ferreira, ministro da Cultura, durante entrevista no Rio de Janeiro no fim de 2015

    Entre 15 e 30 dias, projetos culturais autossustentáveis financeiramente não poderão mais captar recursos via Lei Rouanet. A determinação do TCU (Tribunal de Contas da União) foi aprovada na quarta (3), depois de quatro anos de estudo do projeto da edição 2011 do Rock in Rio.

    No acórdão a que a Folha teve acesso, Ministério Público Federal e TCU questionam a concessão de verba por meio de renúncia fiscal ao projeto, que teve receitas estimadas em R$ 34 milhões. "Nesse sentido, o apoio a evento lucrativo como o Rock in Rio, ante a escassez de recursos para a cultura, indicaria inversão de prioridades, com possível desvirtuamento do sentido da Lei Rouanet", diz o texto.

    À Folha, o ministro Augusto Sherman, relator do processo no TCU, critica a aplicação da Rouanet a projetos com alto potencial lucrativo. "Seria como conceder Bolsa Família a famílias de alta renda."

    O MinC pode recorrer da decisão, mas isso não deve ocorrer. À Folha, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, questiona: "Para que remendos se podemos aprovar um projeto melhor [que a lei atual]?", em referência ao ProCultura.

    Substituir a Lei Rouanet é uma das bandeiras de Juca há pelo menos oito anos.

    O projeto, que promete corrigir distorções na Rouanet —como distribuição desigual de recursos nas regiões do Brasil—, está no Congresso para votação. Juca espera que o trâmite nas casas legislativas ocorra no primeiro semestre.

    "A Rouanet não é um mecanismo saudável para ser o principal instrumento de fomento à cultura" porque "é muito permissiva", afirma.

    Divisão de projetos captados na Lei Rouanet na última década

    ROCK IN RIO 2011

    Para a edição de 2011 do Rock in Rio, a produtora Dream Factory previa receita de R$ 34 milhões. A organização solicitou à Sefic (Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura) o valor de R$ 19,89 milhões via renúncia fiscal.

    Um parecerista técnico do MinC apontou a distorção —o evento teria receita 58,04% maior que aquele solicitado via Rouanet. Segundo o parecer, este é um "fator que, embora não seja impeditivo, deve ser considerado pelos Conselheiros" para que as contrapartidas da organização sejam maiores.

    Segundo o texto do TCU, apesar da indicação do parecerista, a Cnic (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) e a Sefic, que avaliam os projetos numa fase posterior, não fizeram qualquer crítica. A Cnic apenas efetuou alguns cortes na planilha —prática comum— e liberou a Dream Factory a captar R$ 12,3 milhões.

    Juca defende a atuação da comissão. "A Cnic não é composta de funcionários do ministério e tem autonomia", diz. "Ali estão empresários, artistas, pessoas do setor cultural..."

    Somados, os patrocínios via renúncia fiscal do Rock in Rio 2011 foram de R$ 6,69 milhões.

    O projeto foi enquadrado no artigo 26 da Rouanet, que prevê dedução no imposto de renda de 30% do valor patrocinado. Com isso, deixou de chegar aos cofres públicos o montante de aproximadamente R$ 2 milhões, segundo acórdão do TCU. "É dinheiro que deixou de ir para saúde, educação, infraestrutura", comenta o ministro Sherman.

    Em nota, a organização do festival diz que "optou por não se pronunciar sobre este assunto, visto que é uma decisão do TCU que envolve eventos como um todo, e não é um caso isolado, direcionado apenas ao festival".

    LEI ROUANET - Distribuição da renúncia fiscal por categoria na última década

    FIM DOS MUSICAIS

    Uma das áreas que podem ser mais afetadas pela determinação é a de musicais. Segundo levantamento da Folha a partir de informações adquiridas via Lei de Acesso à Informação, apenas em 2015, 43 espetáculos do gênero captaram R$ 50,9 milhões —25,5% de toda a renúncia fiscal dedicada às artes cênicas no período.

    Para Charles Möeller —que, com Claudio Botelho, dirige grandes musicais—, sem o suporte da Rouanet, "os musicais vão acabar".

    "Eles não se pagam na bilheteria", diz o diretor que, com o parceiro de palco, fará neste ano "Cinderella", autorizado a captar R$ 15,7 milhões.

    Möeller afirma que um espetáculo de grande porte custa caro e, como contrapartida social, tem uma cota de ingressos "para quem não pode pagar", ajudando a formar plateia. Fora a formação de profissionais, "dos atores à equipe de costureiras".

    Sem a Rouanet, tudo viraria abóbora: "Vai voltar a época do musical de fita gravada, dublado, que pede permuta na casa de tecido, no teatro do shopping...".

    Em nota enviada na noite de quinta, a Aventura Entretenimento diz que os incentivos fiscais "ainda são a mola propulsora do segmento criativo, não só em teatro, mas em cinema e cultura em geral".

    "São objetos de desenvolvimento sociocultural de um país", afirmam os organizadores. "Não entendemos que os projetos de teatro estejam na análise de potencial viabilidade sem incentivo. Em teatro, não conseguimos visualizar projetos que não precisem deste incentivo. E as grandes produções, certamente, retornam em empregabilidade, desenvolvimento técnico de toda cadeia e impostos. Espetáculos de teatro não se mantêm em cartaz em temporada com a receita de bilheteria."

    A reportagem procurou T4F, outra produtora tida como referência em musicais, mas não conseguiu contato.

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