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    análise

    Dança de Beyoncé no Super Bowl, um evento viril, foi ato político

    LILIA MORITZ SCHWARCZ
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    12/02/2016 02h09 - Atualizado às 17h52
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    Beyoncé encerrou o Super Bowl já no intervalo da partida. Com um público de 111 milhões de pessoas, acompanhada por dançarinas à moda dos Panteras Negras, ela fez gol de placa. Dançar dessa forma, num evento viril como esse, transformou a performance em ato político, e a partida foi "racializada".

    A letra de "Formation" é, de um lado, um hino a favor da autoestima negra, com frases que exaltam o fato de seu pai ser do Alabama, a mãe de Louisiana, e ela adorar narizes do tipo Jackson 5; mas, de outro, é uma denúncia à ação truculenta da polícia.

    A reação foi rápida: Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York, se disse "ultrajado"; o ex-governador do Arkansas afirmou que ela estava criando strippers e incitando racismo. Não estava, tanto que o público aplaudiu de pé. Beyoncé acabou viral.

    Mas só há fumaça onde existe fogo. A apresentação passaria "em branco" se não tivesse cheiro de pólvora. A faísca foi a referência aos Panteras Negras e a grupos que não compactuam com o modelo racial supostamente ordeiro dos EUA. É só lembrar o livro de Ta-Nehisi Coates, que acaba de ganhar o National Book Award e ensina o filho a sobreviver numa "selva racista"; ou do grupo Black Lives Matter, que denuncia o assassinato sistemático de negros.

    Hora de sair do jogo de empate. Segundo o Mapping Police Violence, a polícia dos EUA matou um negro a cada 26 horas em 2015 –30% estavam desarmados– e jovens negros têm três vezes mais chances de serem mortos pela polícia do que brancos.

    BRASIL

    E esse quadro não difere muito do brasileiro. Segundo a Anistia Internacional, um jovem negro no Brasil tem em média 2,5 vezes mais chances de morrer do que um branco. Em 2012, cerca de 30 mil jovens de 15 a 29 anos foram assassinados no Brasil –77% deles eram negros.

    A polêmica de Beyoncé está, de toda forma, a quilômetros de distância da que ocorreu esse ano na revista "Vogue", que usou como temática a África.

    Nesse caso, o que se viu foi uma estetização fácil das culturas negras; um continente caricato, e, pasme-se, pouquíssimas das modelos eram negras. Já Beyoncé mostrou que ser negro está na "moda", mas custa caro!

    LILIA MORITZ SCHWARCZ é antropóloga e historiadora e dá aulas na USP e em Princeton (EUA). É autora de, entre outros livros, "Espetáculo das Raças", "As Barbas do Imperador" e "Brasil: uma Biografia" (com Heloisa Starling).

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