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    CRÍTICA

    Nova obra de Slavoj Zizek tece analogia frágil ao cristianismo

    EVANDO NASCIMENTO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    13/02/2016 02h38

    Dentre os filósofos contemporâneos, Slavoj Zizek é decerto o mais midiático. Seu nome frequenta regularmente os periódicos culturais ao redor do mundo, sobretudo por defender ideias polêmicas. Ressalta, no "estilo Zizek", o recurso a inúmeras referências, do erudito ao pop, muitas vezes sustentadas por pirotecnias verbais, perguntas retóricas e frases de efeito, no limite da histrionice

    "O Absoluto Frágil" (Boitempo) traz questões importantes ao debate da atualidade em que, do Oriente ao Ocidente, explodem novos fundamentalismos religiosos. Todavia, nem sempre é possível endossar suas postulações.

    A tese do filósofo e psicanalista esloveno está na introdução e é retomada ao longo do livro, mas sem desenvolvimento ou conclusão: "Sim, o cristianismo e o marxismo deveriam lutar do mesmo lado da barricada contra o furioso ataque dos novos espiritualismos –o legado cristão é precioso demais para ser deixado aos fanáticos fundamentalistas".

    Eric Fougere/VIP Images/Corbis
    06 Mar 2011, Paris, France --- Philosoph Slavoj Zizek Photographed in PARIS --- Image by © Eric Fougere/VIP Images/Corbis ****FOTO COM CUSTO R$ 124,00 PARA MUNDO**** ORG XMIT: 27787075 ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O filósofo esloveno Slavoj Zizek, autor de 'O Absoluto Frágil' (Boitempo), posa para retrato em Paris

    Apontaria dois problemas nessa afirmação. Primeiro, o livro se torna uma apologética do cristianismo, em confronto com outras culturas religiosas como o judaísmo, o muçulmanismo e o hinduísmo. Segundo, ele defende o primado de são Paulo, ideólogo responsável pela institucionalização do cristianismo.

    Se há algo que se pode aprender com essa tradição religiosa, isso estaria em alguns gestos e palavras do próprio Cristo, sobretudo no que diz respeito ao perdão.

    O "atire a primeira pedra aquele que nunca pecou" questiona todo um fundamento místico e legal que deveria ser discutido hoje, quando mulheres ainda são apedrejadas sob acusação de adultério, em países como o Irã e a Arábia Saudita.

    MAIS-VALIA

    Mas nem por isso a doutrina cristã deve ser objeto de apologia, pois se baseia no pecado original e na necessidade de redenção, condenando a humanidade pelo simples "crime" de nascer... Do ponto de vista filosófico, todo dogma religioso pode ser debatido, principalmente se tem implicações sociais.

    O Absoluto Frágil
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    Sou inteiramente a favor de se utilizar uma ciência como a psicanálise para interpretar contextos mais amplos do que o do psiquismo individual. Zizek o faz brilhantemente, por exemplo, ao relacionar o consumo da Coca-Cola à mais-valia marxista e ao mais-gozo lacaniano.

    No entanto, quando passa a aplicar conceitos psicanalíticos indiscriminadamente, a análise descamba para uma generalidade abusiva. Ele tampouco faz a crítica indispensável ao discurso de Lacan, que tende a substancializar o feminino como radicalmente distinto do masculino.

    Diante das inovadoras discussões sobre sexualidade e das refinadas teorias do gênero que emergiram na segunda metade do século 20, fere a ética do pensamento o conservadorismo da seguinte afirmação: "Em contraste com a propensão masculina de romper os elos, as mulheres continuam enraizadas em sua substância específica".

    EVANDO NASCIMENTO é escritor e ensaísta, autor de "Cantos Profanos" (Globo) e de "Derrida e a Literatura" (É Realizações).

    *

    RAIO-X

    • Idade

    66 anos

    • Origem

    Eslovênia

    • Atuação

    Filósofo de formação marxista e psicanalista, dá aulas na European Graduate School e preside a Sociedade pela Teoria da Psicanálise. Também dirige o centro de humanidades da Universidade de Londres

    *

    O ABSOLUTO FRÁGIL
    AUTOR Slavoj Zizek
    TRADUÇÃO Rogério Bettoni
    EDITORA Boitempo
    QUANTO R$ 43 (160 págs.)

    Edição impressa

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