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    Dramas sobre conflitos são destaque do 5º dia do festival de cinema Berlim

    GUILHERME GENESTRETI
    ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

    15/02/2016 14h52 - Atualizado às 21h38

    Palco do maior conflito militar da história, Berlim recebeu na 66ª edição de seu festival internacional de cinema dois dramas de guerra bastante distintos e que competem pelo Urso de Ouro.

    A uma caminhada de 11 minutos de onde Hitler manteve seu bunker, ocorreu, na segunda (15), a estreia mundial de "Alone in Berlin", sobre um casal de alemães que desafiou o regime nazista. Já no domingo, o português Ivo M. Ferreira mostrou sua visão lírica da luta de independência de Angola com o longa "Cartas da Guerra".

    Os atores britânicos Brendan Gleeson e Emma Thompson vivem Anna e Otto Quangel, personagens inspirados em Elise e Otto Hampel, que durante a Segunda Guerra distribuíram secretamente cartões postais com mensagens contra o Führer.

    A história virou um romance escrito por Hans Fallada, em 1946, e deu origem ao filme, dirigido pelo suíço Vincent Perez (mais conhecido como ator em filmes como "Rainha Margot").

    Divulgação
    O ator alemão Daniel Brühl no filme 'Alone in Berlin', de Vincent Perez
    O ator catalão de origem alemã Daniel Brühl em cena do filme 'Alone in Berlin', de Vincent Perez

    "Uma das razões que nos levaram a rodar [o filme] em inglês é porque essa é uma história europeia", disse a atriz à imprensa, respondendo a perguntas sobre o fato da trama alemã ter uma equipe tão internacional por trás.

    O longa tem ritmo de thriller: instigados pela morte do filho, soldado alemão, o casal resolve peitar os nazistas. Mas eles têm de agir sozinhos, temendo até mesmo a delação de seus vizinhos. "Com pessoas agindo contra as outras e espionando, cria-se um inferno", disse Thompson.

    O tema dos refugiados, assunto quente nesta edição do festival, voltou a ser discutido com esse filme. Quem viu paralelos com a trama foi o ator catalão de origem alemã Daniel Brühl (de "Rush" e "Bastardos Inglórios").

    "Há um movimento crescente nesse país rumo à direita. A doença não morreu", disse o ator, que no longa interpreta um agente da Gestapo (a polícia secreta nazista).

    Para Gleeson, o que o casal fez não iniciou nenhuma revolução, "mas a recusa por seguir uma política de ódio foi uma coisa enorme".

    "Cartas da Guerra" envereda por uma trincheira bem diferente: Inspirado nas missivas trocadas na década de 1970 entre o escritor António Lobo Antunes, servindo no país africano, e sua mulher, em Lisboa, Ferreira criou um filme sensorial, repleto de quadros rigorosamente construídos.

    Quase uma estetização do conflito. "É um filme de amor, mas na guerra", disse Ferreira na entrevista coletiva que se seguiu à exibição do longa. "Era o amor, a âncora, a única coisa que faz o protagonista querer continuar vivo."

    O ator Miguel Nunes vive o personagem: um homônimo do escritor português, autor de "Os Cus de Judas" e "Boa Tarde às Coisas Aqui Embaixo", e que serviu na guerra como médico no front lusitano.

    "Existe certa responsabilidade porque Lobo Antunes é personalidade muito presente no meu país", disse Nunes, que despontou como ator na série "Morangos com Açúcar", espécie de "Malhação" lusa.

    "Mas eu tive o privilégio de contar com as descrições fortes que ele fazia sobre o que é estar à distância de algo que se quer." A fotografia em preto e branco e o uso extenso da voz em off (recurso usado para ilustrar a leitura das cartas) lembram o filme "Tabu", do conterrâneo Miguel Gomes.

    COLONIALISMO

    O filme despertou críticas por parte da imprensa no local. Um jornalista africano quis saber por que os portugueses do filme nunca apareciam atirando e cometendo atrocidades na guerra. De fato, passam mais tempo fumando, suspirando, divagando, olhando para o céu.

    "É um filme de amor passado na guerra, não uma tragédia", defendeu-se Ferreira. "Mostra personagens numa guerra estúpida. Os portugueses também foram vítimas: lutavam por algo em que não acreditavam."

    Na imprensa portuguesa, o filme não empolgou. "É uma pequena desilusão", apontou um crítico do diário português "Público". "É um filme que sabe o que quer, mas que talvez não saiba que o que quer pode não ser o melhor para o filme."

    "Cartas" é a ponta de lança de uma invasão portuguesa sem precedentes na Berlinale: quatro longas; o de Ferreira é o único na competição do júri e vem endossado por Luis Urbano, produtor de Manoel de Oliveira e Miguel Gomes.

    "Tabu", de Gomes, aliás, foi o último título lusitano a passar em Berlim, em 2012, e saiu com prêmios da imprensa e de criação artística. "Fico honrado em fazer parte desse momento", disse Ferreira.

    O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Berlim

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