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    Mostra curada por viúva e filhas revela facetas obscuras de Luiz Sergio Person

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE SÃO PAULO

    17/02/2016 02h40

    Luiz Sergio Person viveu pouco, 39 anos. Em 2016, serão 40 anos de morte (seu carro bateu de frente com um ônibus) e 80 de nascimento.

    Viveu o bastante para se firmar como um dos grandes do cinema brasileiro dos anos 1960. Mas o rótulo de cineasta é ralo para o também diretor teatral, que polemizou ao pôr Ney Latorraca e Paulo Goulart vestidos de mulher em "Orquestra de Senhoritas". Ou o publicitário que inovou até em comercial de margarina.

    Person foi de ator de teleteatro a fundador do próprio palco (o atual Teatro Augusta), numa trajetória plural contada em "Ocupação Person".

    Com curadoria da viúva, Regina, das filhas Marina, 47, e Domingas, 44, e da equipe do Itaú Cultural, a mostra abre neste sábado (20), dando sequência à série de ocupações no espaço, que já contemplou de Nelson Rodrigues a Laerte.

    Abarcará exibição de filmes, reencenação de peças -uma delas, "Entre Quatro Paredes", com a participação da filha caçula- e memorabília.

    Para definições tão redutoras quanto um verbete de Wikipedia, Person foi um homem do cinema. Dirigiu Eva Wilma e Walmor Chagas em "São Paulo, Sociedade Anônima" e escalou Raul Cortez e Juca de Oliveira para outro clássico seu, "O Caso dos Irmãos Naves".

    Foi além desses filmes mais "cabeça", com um pé no neorrealismo italiano. Ele dirigiu o humorista Ronald Golias ("Um Marido Barra Limpa") e Paulo José (na pornochanchada "Cassy Jones, o Magnífico Sedutor"). Com José Mojica Marins e Ozualdo Candeias, fez "Trilogia do Terror".

    Em seu segmento, "Procissão dos Mortos", inspira-se na morte de Che Guevara e põe Lima Duarte de pai do garoto que vê guerrilheiros fantasmas.

    "Ele sempre foi muito livre-atirador", afirma Regina, que o conheceu quando era sua aluna na Escola de Comunicação da USP. "Nunca foi deste ou daquele grupo." Como o do Cinema Novo, "que tinha o alto-falante imenso que era o Glauber Rocha". A patota do Glauber, diz, possuía "um discurso que servia de canto de sereia, mas não tinha diálogo [com os outros cinemas], era pequeno burguês".

    Person não temia o popular. Em 1966, idealizou "SSS contra a Jovem Guarda", com roteiro de Jô Soares e Jean-Claude Bernardet. Na obra, Roberto Carlos, ao lado de Wanderléa e Erasmo Carlos, enfrentaria conservadores que o raptavam. O cantor desistiu do projeto, e Person extravasou jogando "pastelões" (encomendados para uma cena de briga de comida) nas paredes do set.

    O cineasta tinha ambição. Pensou em Marlon Brando para "A Hora dos Ruminantes", que se seguiria aos "Irmãos Naves" numa trilogia sobre a violência. Jamais realizado, o filme ganhou, na exposição, uma "crítica ficcional" do escritor Lourenço Mutarelli.

    PALCO

    Outra empreitada que empacou: sua adaptação para "Trotsky no Exílio", peça de Peter Weiss. Em vão, Person apelou à censura do regime militar: se a proibição persistisse, "teríamos que acreditar no absurdo de que, no Brasil, certos fatos [...] são banidos das fontes de informação cultural". A carta está na mostra.

    "O Person do teatro, uma faceta que poucos conhecem, é com certeza a mais curiosa", diz Domingas, lembrando de títulos como "El Grande de Coca-Cola".

    Em parte, Person abraçou o teatro porque faltava dinheiro para seus longas. "Claro que existia uma frustração de, naquele momento, não conseguir realizar o cinema que queria, mas ele sempre teve relação com o meio, foi ator de teleteatro." Outra vez no palco, já como diretor: uma ópera com soprano de minissaia e tenor de barba e cabelo comprido. Horrorizou a "intelligentsia".

    Karime Xavier/Folhapress
    SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -20 /01/16 -16 :00h - A viúva, Regina Jeha, e as filhas de Luas Sérgio Person, Marina Person (blusa cinza) e Domingas Person. O cineasta Luís Sérgio Person (que morreu em 1976) será homenageado em uma exposição no Itaú Cultural, em SP, que abre nas próximas semanas.( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***MÔNICA BERGAMO
    Regina Jeha, viúva de Luiz Sergio Person, e as filhas, Marina e Domingas, responsáveis pela mostra

    E teve a publicidade. Com o fracasso em criar um novo Mazaroppi no filme "A Panca do Valente" (1968), e com a recém-nascida Marina Person, ele bateu na porta das agências atrás de dinheiro.

    Fez propagandas do uísque Drurys (com Nelson Motta novinho) e da Doriana. Para vender margarina, introduziu a técnica do cinema direto: sem roteiro, com Jorge Bodanzky na câmera, perguntava a anônimos sobre o produto. "Ele queria se matar, porque diziam 'delícia!', o nome da marca concorrente", diz Regina.

    Entre os projetos interrompidos pela morte precoce estava "Pegando Fogo", peça coescrita com Ricardo Kotscho sobre o golpe de Getúlio Vargas em 1930. "O desespero dele era que todos os acontecimentos políticos no Brasil acabassem em Carnaval."

    TÁ TUDO OCUPADO

    Programe-se para eventos da mostra

    TEATRO

    'Orquestra de Senhoritas'
    Leitura da peça
    > sáb. (20), às 18h e às 20h, e dom. (21), às 17h e às 19h; classificação livre; grátis

    'Anjo de Papel'
    Espetáculo infantil
    > sáb. (20) e dom. (21),
    às 16h; classificação 4 anos; grátis

    'A Portas Fechadas'
    Livremente inspirada na peça de Jean-Paul Sartre
    > de 29/3 a 1/4, às 20h; classificação 14 anos; grátis

    CINEMA

    Mostra L. S. Person
    > 2/4: "Al Ladro" e "O Caso dos Irmãos Naves", às 18h, e "Panca de Valente", às 20h
    > 3/4: "L'O Ottimista Sorridente" e "São Paulo, Sociedade Anônima", às 17h, e "Cassy Jones", às 19h

    OCUPAÇÃO PERSON
    QUANDO de ter. a sex., das 9h às 20h; sáb., dom. e feriados, das 11h às 20h; 20/2 a 3/4
    ONDE Itaú Cultural, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1776
    QUANTO grátis
    CLASSIFICAÇÃO livre

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