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    Editoras estrangeiras acolhem escritora brasileira rejeitada no país

    MAURÍCIO MEIRELES
    COLUNISTA DA FOLHA

    23/02/2016 04h00 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Zo Guimaraes/Folhapress
    Escritora brasileira Martha Batalha

    Escritores sabem bem o que é fracasso. Conhecem melhor ainda aquele e-mail em que editores rejeitam uma obra com eufemismo: seu livro é ótimo, obrigado por enviá-lo, mas no momento decidimos não publicá-lo.

    Com a carioca Martha Batalha, 42, não foi diferente. Martha escreveu um romance chamado "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", que antes mesmo de ser publicado já parecia um fracasso retumbante –nenhuma grande editora brasileira quis lançá-lo.

    Nem o fato de a autora vir acompanhada de uma agente com poder de fogo, caso de Luciana Villas-Boas, da Villas-Boas & Moss, ajudava.

    Record, Intrínseca, Globo Livros, Objetiva e L&PM não se interessaram pela obra. Só quem topou editá-lo foi a pouco conhecida Companhia Editora Nacional. Nem a Companhia das Letras, que por fim vai publicá-la em abril, quis o título no primeiro momento.

    Na Califórnia, onde mora, Martha entrava em crise com a rejeição. Mas o rumo do livro teve uma virada. Chegou à Feira do Livro de Frankfurt de 2015 e "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" começou a fazer uma surpreendente carreira no exterior.

    A primeira a comprar os direitos da obra foi a alemã Sührkamp, ainda antes da feira. Com a oferta, veio uma "carta de amor" –jargão no mercado para quando um editor escreve um depoimento a fim de ajudar um livro a ser vendido para outros países.

    BEIJINHO NO OMBRO

    Então, vieram as compras das editoras Denoel (França), Feltrinelli (Itália), Porto (Portugal), Nieuw Amsterdam (Holanda) e a prestigiosa Seix Barral (Espanha e América Latina).

    Há duas semanas, a francesa Denoel vendeu os direitos para uma versão de bolso à Le Livre de Poche –em uma negociação, em reais, de seis dígitos. Os direitos para o cinema já foram comprados pelo produtor Rodrigo Teixeira.

    Por conta da crise, a Companhia Editora Nacional, que tinha os direitos do livro, adiou o lançamento para o segundo semestre de 2016.

    Como Martha e sua agente tinham pressa de mandar o original para as casas estrangeiras, o contrato acabou cancelado. Luciana Villas-Boas voltou ao mercado –e quem levou o romance foi a Companhia das Letras.

    "[Quando ofereci o livro às editoras] a sensação era de fim de mundo. A crise econômica era tão grave, estava pegando os editores de surpresa", ameniza Luciana ao explicar a rejeição do romance.

    Martha Batalha não é bem uma neófita no mercado editorial –mas antes trabalhava do outro lado do balcão. Foi ela a fundadora da antiga editora Desiderata, vendida à Ediouro em 2008.

    Em seu catálogo, emplacou três best-sellers: as duas antologias de entrevistas do "Pasquim" e outra de "O Planeta Diário" –tabloide humorístico dos anos 1980 comandado pela trupe que depois formou o "Casseta e Planeta".

    "A questão da memória é muito importante para mim. Tenho orgulho de ter feito livros que são maravilhosos, mas que poderiam ter se perdido", afirma Martha.

    A memória também aparece em "A Vida Invisível...". O romance conta a história de duas irmãs, Guida e Eurídice, na Tijuca, bairro de classe média do Rio de Janeiro, nos anos 1950 e 1960. As duas precisam enfrentar as limitações de serem mulheres em uma época em que elas não estavam com essa bola toda. A Eurídice que dá título à obra quer escrever livros de culinária, mas o marido não deixa.

    Lá fora, o resumo de Luciana para descrever o livro era: "Isabel Allende encontra Elena Ferrante com humor jorge-amadiano".

    "Não li o livro antes, mas acho que [ele ganhou atenção só agora] por ser um momento em que todo mundo quer saber o que as mulheres têm a dizer", diz a editora Sofia Mariutti, que cuidou da aquisição dos direitos do romance pela Companhia das Letras.

    Sofia conta que a "capacidade narrativa" de Martha lhe chamou a atenção –e atribui isso ao trabalho da autora no mercado editorial americano.

    Em 2008, com o dinheiro da venda da Desiderata, a escritora foi fazer mestrado em edição de livros na New York University –e chegou a trabalhar em editoras do país.

    Apaixonou-se por um porto-riquenho e nunca mais voltou. Quando sua filha nasceu, resolveu largar o emprego para se dedicar à escrita (diante da rejeição do romance, cogitou vender brigadeiro em Los Angeles).

    Martha Batalha é disciplinada. Corre antes de escrever mil palavras por dia. Bloqueia a internet do computador –e faz pesquisa histórica para seus livros. E, além de tentar contar uma história, busca uma identidade brasileira para seus textos.

    "Por que temos que fazer uma literatura que não seja agradável? Por que temos sempre que reinventar a forma e a linguagem? O Brasil precisa de uma literatura em que a gente se reconheça", diz.

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