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    Vivo, teatro é também feito de silêncio, diz diretor que abre mostra de SP

    ADRIANA FERREIRA SILVA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

    03/03/2016 02h04

    David Balicki
    O diretor francês Joël Pommerat
    O diretor francês Joël Pommerat

    Minutos após o início do espetáculo "Ça Ira (1) - Fin de Louis", o público é inserido no coração da ação. Nas quatro horas seguintes, o criador francês Joël Pommerat coloca a plateia no centro das assembleias que resultaram na Revolução Francesa (1789-1799).

    Esse novo e ambiciosa peça de Pommerat, mais importante dramaturgo contemporâneo da França, é a primeira que ele traz ao Brasil –apesar de outro texto seu, "Esta Criança", já ter passado por aqui em 2012, em montagem da Companhia Brasileira em parceria com atriz Renata Sorrah.

    Principal atração da MITsp - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, ele apresentará ainda sua versão para "Cinderela". Esta, parte de uma série infantojuvenil que inclui "Pinóquio" e "Chapeuzinho Vermelho", abre a programação na sexta (4).

    Há 25 anos, ao lado de sua companhia, a Louis Brouillard, ele faz peças que confrontam a audiência com os meandros das relações familiares, de poder ou do trabalho.

    Sua obra acumula cerca de 27 títulos e prêmios importantes, como o Molière, que o consagrou melhor dramaturgo de língua francesa em 2011.

    Elisabeth Carecchio/Divulgação
    Cena da peça 'Ça Ira
    Cena da peça 'Ça Ira'

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    Em entrevista à Folha, em Paris, ele fala sobre o seu processo. Confira trechos:

    Folha - Por que representar a Revolução Francesa?

    Joël Pommerat - Minhas escolhas são intuitivas. Não sou místico, mas é verdade que o tema vem até mim. Entretanto, quando o espetáculo está quase pronto, as razões racionais aparecem.

    Em "Ça Ira", quais foram elas?

    A revolução foi essencial para a França e para diversas sociedades democráticas. Estabelecemos a igualdade e demos poder aos cidadãos. Hoje, nos interrogamos sobre a evolução da democracia, da liberdade e dos direitos instituídos. É surpreendente ver como esse acontecimento esclarece o período atual. As razões que me impulsionaram ao projeto tornaram-se uma interrogação para cada um de nós.

    Num momento em que o planeta enfrenta crises, guerras, quais lições tirar da revolução?

    A história política de uma sociedade evolui em determinada direção devido à vontade humana. As decisões adotadas durante a revolução continuam inscritas em nossa vida. A implantação da República é uma delas. Atualmente, existe um desânimo total. As pessoas são desencorajadas a agir, como se não pudéssemos alterar o curso dos acontecimentos. Ao assistir a "Ça Ira", espero que o público sinta o poder e o valor das ações individuais.

    O que o atrai em fábulas infantis como "Cinderela"?

    Meu objetivo era criar um teatro ambicioso e exigente para as crianças. Como autor, tenho uma relação com a escritura narrativa clássica, àquela na qual as histórias dos personagens têm começo, meio e fim –formato desconstruído pela literatura moderna. Esses contos nos permitem compreender e sentir o quanto a narração pode ser contemporânea e repleta de significados.

    Cici Olsson/Divulgação
    Cena da peça 'Cinderela
    Cena da peça 'Cinderela'

    De suas mais de 20 montagens, apenas uma tem texto de outro autor. Por que esse apego às próprias produções?

    Porque não me sinto diretor. Me tornei um pela necessidade de criar uma visão. Levo a sério a função de dirigir, mas não teria energia de problematizar o texto de outra pessoa com os atores. Se tivesse de fazer isso, fugiria do teatro. Iria para uma praia tomar sol e fumar uns cigarros.

    Você recusa o rótulo de diretor, mas também nega o de autor. O que é, então?

    Redigir uma ação teatral não significa escrever palavras articuladas, por isso não me considero um autor. O que coloco em cena é a minha percepção sobre o teatro. A encenação é um objeto vivo, constituído também de silêncio, coração, sensibilidade e sensualidade. O que tento criar são momentos teatrais e estou atento a tudo o que os constitui.

    Você se refere a sua experiência como ator, dos 19 aos 23 anos, como um período ingrato e decepcionante. Por quê?

    Não fui ator por tempo suficiente, mas, nos cinco anos em que atuei, me dediquei intensamente. Sofri, pois foi frustrante investir tanto e não ter me expresso à altura. Por outro lado, isso me proporciona uma comunicação mais direta e sensível com os atores.

    Em 2003, você disse que faria uma nova peça por ano, nas quatro décadas seguintes. Qual o desafio dessa decisão?

    Poderia dizer que isso me obrigaria a me renovar. Ter um ponto de vista crítico sobre meu trabalho e estar vigilante e sensível à criação. Mas o desgaste físico e psíquico é o grande desafio. Não sei se consigo levar essa ideia adiante. Logo depois da estreia de "Ça Ira", em novembro, comecei a trabalhar em "Le Couloir" [o corredor]. Mas ela tem muitos atores e demanda meses de ensaio, por isso, deve estrear só em 2017. Seria difícil montar dois grandes projetos tão próximos. Minha cabeça precisa de repouso.

    RAIO-X
    Joël Pommerat
    Nascimento: 1963, em Roanne, sudeste da França
    Peças: "Chapeuzinho Vermelho" (2004), "Esta Criança" (2006), "Cercles/Fictions" (2010) e "Ma Chambre Froide" (2011)
    Colaborações: residente do Théâtre des Bouffes du Nord (2007), de Peter Brook

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