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    Fugindo da crise, galerias brasileiras retornam a feiras fora do país

    SILAS MARTÍ
    ENVIADO ESPECIAL A MADRI E NOVA YORK

    11/03/2016 02h10

    No café da manhã do Wellington, um hotel cinco estrelas no ponto mais endinheirado de Madri, o clima era um tanto retrô. Fazia anos que o PIB da arte global, de diretores de museus que iam da Tate ao Masp, além de alguns dos galeristas mais influentes do mundo, não se juntava ali todo dia para beliscar nacos de presunto ibérico ao som de taças de cava tilintando no ar.

    Do outro lado da cidade, a feira Arco já estava a todo vapor. Sua 35ª edição, encerrada há duas semanas, era o motivo do encontro, o que faz acreditar que algo mudou no equilíbrio de forças que regem esse mercado disputadíssimo.

    Numa maratona transatlântica, que começou com a feira em Madri e terminou na semana passada com o apagar das luzes no Armory Show, em Nova York, galeristas, em especial do Brasil, fizeram um malabarismo contábil e geográfico para desovar obras –caríssimas– de artistas do país, fugindo da paralisia do mercado nacional em tempos de crise.

    "Vim porque o Brasil está naquela situação", dizia Luisa Strina, uma das galeristas mais poderosas do país, diante de suas obras na feira em Nova York. Ela, assim como seus colegas da Fortes Vilaça, também acabava de chegar de Madri. "Tem que sair para vender aqui fora. Aqui está super-ativo, todo mundo querendo."

    Nesse sentido, casas brasileiras que haviam trocado a Arco e a Armory por feiras mais fortes, como a Art Basel Miami Beach, estão voltando com força total a esses eventos que caíram em decadência, fizeram esforços para se reinventar e agora ressurgem como peças chave do mercado mundial, numa espécie de revanche no tabuleiro de War que configura o sistema da arte.

    "Essa já foi uma feira maldita, deu uma esvaziada logo depois de Miami", dizia Alexandre Gabriel, da Fortes Vilaça, na Armory. "Mas mudaram a direção, está animado."

    TALÕES PENDURADOS

    Essa repaginada da Armory, que há mais de 20 anos ocupa o píer de Manhattan em armazéns que invadem o rio Hudson, de fato tem a ver com a mudança de foco e um olhar mais agressivo em direção aos emergentes. Ben Genocchio, que acaba de assumir o controle da feira, esteve em São Paulo antes do evento cortejando galeristas num coquetel.

    Na casa de uma colecionadora no Jardim Europa, ele era o centro das atenções. "Quanto mais muda a situação no Brasil, mais as galerias do país vão querer fazer negócios em Nova York", dizia Genocchio. "Eles são espertos. Não é que tudo esteja entrando em colapso, mas a perspectiva no país é incerta, então faz sentido impulsionar vendas no exterior."

    Thiago Gomide, da Bergamin & Gomide, estava naquele coquetel e ouviu o recado. Sua galeria levou a Nova York obras de Lygia Clark, Lygia Pape e Mira Schendel que passam da casa dos R$ 8 milhões.

    "Isso não vende mais no Brasil de jeito nenhum", dizia Gomide, na Armory. "Os talões de cheque lá estão pendurados, igual às chuteiras."

    Talvez por isso, a Armory e a Arco tiveram neste ano uma forte presença de casas do país –12 na feira espanhola e cinco na americana.

    Numa manobra ainda mais ousada, a Nara Roesler, que tem espaços em São Paulo e no Rio, abriu uma filial em Nova York para garantir as vendas. "Essa decisão foi tomada antes de a crise virar o que virou", diz Daniel Roesler, um dos diretores da galeria. "Mas agora isso vai ser importante. Vamos buscar novos colecionadores aqui."

    Enquanto isso, a Arco, uma das primeiras feiras a lançar a arte latino-americana no cenário mundial, também amplia seus horizontes tentando surfar na onda da recuperação econômica na Europa.

    De olho na melhora dos números em Portugal, a feira espanhola abre em maio um evento satélite em Lisboa, tendo no comitê da feira portuguesa a brasileira Jaqueline Martins, um nome em ascensão no mercado nacional.

    "Tínhamos desistido dessa feira", dizia Eduardo Leme, da galeria que leva seu sobrenome, em Madri. "A Arco voltou a ser uma feira importante", completou Camila Siqueira, uma das diretoras da Leme. "Antes estava 'deprê', como vai estar a SP-Arte este ano."

    Rodeado de jornalistas na abertura da Arco, o diretor da feira, Carlos Urroz, imaginava um ano "esplendoroso". "O vínculo com o Brasil é muito importante. Espero que todas essas galerias se animem a voltar para a Arco.''

    O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite das feiras Arco e Armory Show.

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