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    'Ana de Amsterdam' faz relato íntimo de depressão de autora

    ANGELA BOLDRINI
    DE SÃO PAULO

    12/03/2016 04h01

    Divulgação
    A escritora portuguesa Ana Cássia Rebelo ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    A escritora portuguesa Ana Cássia Rebelo, autora de "Ana de Amsterdam"

    Ana Cássia Rebelo não é escritora em tempo integral. Durante o dia, é advogada em Lisboa. No início da noite, é mãe de dois meninos e uma menina. Só quando eles dormem e a casa acalma é que ela, finalmente, põe-se a escrever no blog "Ana de Amsterdam", que mantém desde 2006.

    Vem dele os textos que compõem o livro homônimo, lançado no Brasil em fevereiro, pela Biblioteca Azul. Confessionais, os minicapítulos –que são mais como entradas em um diário– tratam da vida da própria escritora, de seus familiares, de conhecidos.

    A autora trata, sem pudores, da crise de seu casamento, sua depressão, sua sexualidade e sua recém-adquirida falta de libido. Conta sobre casos que tem com outros homens e também como foge do marido na cama, noite após noite.

    Por isso, diz Rebelo à Folha, que o romance demorou tanto a sair. "Já tinha pensado em transformá-lo em livro, mas é uma escrita muito íntima, e os meus irmãos, pais, filhos iam ter contato com ela. Quando nasceu "Ana de Amsterdam", ela conta que pediu aos filhos mais velhos, adolescentes, que não o lessem ainda.

    "Eles sabiam que a mãe tem uma série de problemas, confiam nela assim, mas não sabem preto no branco que a mãe é depressiva, que já tentou o suicídio", diz

    O livro, de fato, centraliza-se nesse aspecto da vida da escritora. Expõe seus dias ruins, em que pensa em pés na beira de uma janela, nos comprimidos guardados no armário e fala sobre a sua falta de prazer no sexo, sobre o qual, porém, fala incessantemente, procurando pornôs, masturbando-se, buscando casos.

    Na versão digital, porém, não é assim. Lá, Ana expõe também suas opiniões a respeito, por exemplo, do governo português, em textos mais sérios. Esses acabaram sendo deixados de lado na seleção feita por ela em conjunto com João Pedro George. Além disso, conta ela, alguns textos do começo do blog foram reescritos para o livro.

    O que sobrou forma uma espécie de romance em crônica, cujo estilo lembra o das autoras americana e britânica Sylvia Plath e Virginia Woolf –ambas, aliás, eram deprimidas e acabaram se suicidando.

    Em "Ana de Amsterdam", a portuguesa –nascida em Moçambique– fala de questões femininas, como a maternidade ou a sexualidade muitas vezes reprimida ou a própria frigidez.

    "São problemas que não são só meus, e eu sentia uma solidão enorme, porque achava que eram", conta ela. "Mas depois que o livro saiu, várias mulheres se identificaram com a minha vida."

    Para ela, que se considera feminista, é preciso falar sobre a maternidade como dever das mulheres. "Eu não sou uma fêmea igual a uma camela, uma gata, não é só a natureza que está me guiando".

    "Na minha geração, por exemplo, há muitos escritores homens e quase nenhuma mulher. Curiosamente, essas escritoras são mulheres que, em maioria, decidiram não ter filhos."

    "A escrita é algo que demanda muito tempo e esforço", diz, ao defender que haja uma partilha maior da criação da prole.

    Nem todos os textos do livro, cujo nome vem da música "Ana de Amsterdam" de Chico Buarque –que a escritora diz amar "como qualquer pessoa sensata"– tratam da própria Ana Cássia.

    Entremeados na espécie de diário, pequenos contos retratam mulheres anônimas, lisboetas e goenses (região da Índia colonizada por portugueses, para onde a escritora vai muito, para visitar a família do pai).

    "Sempre quis me aventurar para a ficção, mas tenho medo", diz. Ainda assim, diz que pretende lançar algum livro do gênero. Mas não tem, por enquanto, planos de largar a profissão matutina pela escrita que, segundo ela, não seria capaz de "pôr comida na mesa dos meus filhos".

    Entretanto, essa portuguesa de tantas origens, nascida em Moçambique de pai goês, amante de Chico Buarque, quer mesmo é cair na estrada.

    "Há muitos lugares que gostaria de conhecer. Espero que o livro seja uma desculpa para ir ao Brasil." Questionada sobre uma possível vinda à Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), desconversa: "Adoraria, mas não há nada certo nesse sentido ainda."

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