• Ilustrada

    Monday, 20-May-2024 18:42:10 -03

    Semana na TV tem Zé do Caixão e maratona de filmes de John Carpenter

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    14/03/2016 13h42

    SEGUNDA-FEIRA (14)

    Nos filmes de John Carpenter a civilização é doente e daí nasce o terror. Em "Christine, o Carro Assassino" (1983, TCM, 0h20) o jovem Arnie compra um carro responsável anos antes por sério acidente e passa a dedicar-se a ele obsessivamente.

    Christine, bem entendido, é uma mulher e exige de seu novo dono muitos cuidados. Ela é, aliás, seu verdadeiro amor. Fato, aliás, de que a própria namorada de Arnie logo se dará conta.

    "Christine" pertence a um tempo em que o amor excessivo ao automóvel ainda não era considerado uma patologia. Ainda não é, na verdade, mas os carros já não têm mais a importância simbólica que tinham na vida das pessoas até alguns anos atrás.

    Nem por isso o filme parece desatualizado: esses objetos que ganham vida, esses parasitas que acabam por sugar a vida de seus donos ainda. Talvez não sejam mais automóveis, mas estão disseminados pela casa, nas roupas e tudo mais.

    Divulgação
    Cena do filme "Christine, o Carro Assassino", de John Carpenter. [FSP-TV.Folha-06.07.97]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
    Cena do filme "Christine, o Carro Assassino", de John Carpenter

    TERÇA-FEIRA (15)

    Há uma espécie de festival John Carpenter rolando na TV. Infelizmente ele está no TCM, canal que hoje em dia pouco se ocupa com respeito a formatos, qualidade de cópias etc.

    Hoje, além da reprise de "Christine, o Carro Assassino" (1983, 22h), o canal exibe hoje o filme que é possivelmente a obra-prima do diretor americano: "Eles Vivem" (1988, 0h25).

    Estamos (de novo) às voltas com uma invasão da Terra. Uma invasão que só se deixa perceber com o uso de um dispositivo especial. A diferença em relação às invasões tradicionais é que esta é tão irônica quanto assustadora.

    Uma opção, no horário, é "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia" (1977, Canal Brasil, 0h15), o primeiro sucesso de Hector Babenco, a respeito do então célebre bandido. Aqui Babenco começaria a mostrar que era o mais hollywoodiano dos cineastas brasileiros (estranho, quando foi a Hollywood tornou-se o menos hollywoodiano...).

    QUARTA-FEIRA (16)

    Hoje, quando as animações voltaram à moda com toda força, talvez seja o caso de lembrar o nome um tanto injustamente esquecido de Frank Tashlin.

    Ele foi um animador da Warner antes de passar aos filmes com gente de carne e osso. Mas uma boa parte do "carne e osso" que produziu tem a virtude de ter como referência a estética dos quadrinhos.

    É o que se pode comprovar em "O Bagunceiro Arrumadinho" (1964, TC Cult, 0h05), em que Jerry Lewis faz o enfermeiro que não suporta nem ouvir falar em doenças.

    Trata-se, por sinal, de um dos grandes momentos de Jerry, no tipo que o consagrou como um dos grandes do burlesco: o inapto, o incapaz de se integrar ao mundo, tão americano, dos vencedores (os "winners").

    De quebra, temos aqui a gag clássica da carreira da maca que sai enlouquecida pelas ladeiras . De San Francisco, talvez? Não estou lembrado. Que importa: o filme é ótimo.

    QUINTA-FEIRA (17)

    Pode-se partir para um dia francês. À tarde, o canal Curta! traz o documentário sobre "Uma Mulher para Dois", o popular "Jules e Jim" (2013, 15h) na série "Filmes que Marcaram Época".

    Diga-se, primeiro, que estamos diante de um filme que realmente marcou época (nem sempre isso acontece). Mas, sobretudo, mesmo quando trabalha com filmes menos marcantes, os documentários são material de primeira para quem gosta de cinema.

    À noite, é a vez de "Com o Sorriso" (TV5 Monde, 22h54), filme de Maurice Tourneur. Mais conhecido, hoje, por ser pai de Jacques Tourneur, Maurice fez boa parte de sua carreira nos EUA e volta à França no momento do sonoro (por volta de 1930).

    Na comedia "Com o Sorriso", Maurice Chevalier é o vigarista que tenta de tudo, sem sucesso, para subir na vida. Até que alguém lhe diz que o sorriso seria o caminho para o êxito.

    SEXTA-FEIRA (18)

    Já começa a ficar distante o tempo em que os filmes mantinham-se à altura de suas origens populares e podiam ser partilhados por todos os espectadores. Filmes dignos, como esse "O Alvo" (1993, TCM, 23h55), com que John Woo estreou no cinema americano.

    Ele trabalha com uma estrela dos filmes de quebra-pau da época (Jean-Claude van Damme) e o coloca numa aventura em que ricos perversos dedicam-se ao estranho esporte de atirar em um alvo —não qualquer alvo, mas em homem— até a morte.

    Com tal argumento não é difícil chegar ao fundo do poço. Woo consegue, no entanto, levar longe sua arte, de tal modo que perseguições paranoicas ou lutas de artes marciais, em vez de escorregarem para a brutalidade e/ou idiotice, produzem formidáveis balés e belas imagens.

    Ainda hoje, uma boa animação (gênero que hoje responde por boa parte da produção popular digna): "Ratatouille" (2007, Megapix, 22h30).

    SÁBADO (19)

    Tudo em "O Gerente" (2011, Canal Brasil, 22h), remete à morte. Existe algo que fenece no mundo que o filme evoca (o Rio de Janeiro, anos 1950). Os trajes e modos do gerente Ney Latorraca quase nos obrigam a pensar na morte (além disso, a narrativa se dá "post mortem").

    Pode-se imaginar, inclusive, que Paulo César Saraceni vislumbrasse o próprio desaparecimento (que se daria em 2012).

    Ao mesmo tempo, tudo transborda de vida neste filme: os mesmos modos ultrapassados do gerente são tremendamente sedutores; o mesmo jeito patibular é o que encanta as mulheres.

    O exercício de Saraceni é de total liberdade. Nnão presta contas a ninguém; junta o velho gerente à jovem (Djin Sganzerla) ou o faz meio vampiro, comedor de dedos femininos —inclusive de seu grande amor (Ana Maria Nascimento e Silva). Pode evocar Drummond ou João Gilberto: não é mais cinema novo, é cinema livre e vivo.

    DOMINGO (20)

    A diferença entre o terror clássico, de inspiração anglo-americana, e o brasileiro é que para eles o terror existe, como evocação de todos os fantasmas a despertar, enquanto o nosso precisa sempre se perguntar o que é, afinal, o horror?

    Em dado momento, Júlio Bressane dava uma resposta enigmática, porém cortante: o horror não está no horror. Onde estaria, então? O fato é que essa questão está bem presente, ainda que implícita, na produção de José Mojica Marins.

    "À Meia-Noite Levarei Sua Alma" (1964, Canal Brasil, 0h) inaugura sua obra no gênero. Ali surge o antológico Zé do Caixão, ali nasce a preocupação com a prole (achar a mulher perfeita para criar o filho perfeito), ali também seus desafios a Deus e às crendices.

    Tudo que ali remete ao terror indaga onde está e o que é de fato o terror. A fraqueza, a incultura, a fome são uma parte da resposta. Não toda. Filme a não perder.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024