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    CRÍTICA

    Diretor tailandês cult reverte clichês e faz sobrenatural soar real

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    17/03/2016 02h40

    "Exótico" é o termo fácil e de imediato entendimento que mais se usa para "explicar" os filmes de um diretor de nome difícil vindo de um país oriental longínquo.

    O cinema do tailandês Apichatpong Weerasethakul de fato está impregnado de uma cultura mental e religiosa que conhecemos pouco e compreendemos menos ainda, o que aumenta sua aura de mistério e de fascínio.

    O público fiel ao trabalho do realizador reencontra em "Cemitério do Esplendor" os temas obsessivos do corpo e dos limites indeterminados entre a natureza e o sobrenatural.

    Os que ainda não o conhecem podem se encantar com o modo como o cineasta aborda os clichês do orientalismo para revertê-lo e expandi-lo.

    Divulgação
    Cena do filme"Cemetery of Splendour", do diretor Apichatpong Weerasethakul ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Cena do filme"Cemitério do Esplendor", do diretor Apichatpong Weerasethakul

    Estamos num espaço entre o urbano e o rural. Numa escola improvisada como hospital, um grupo de soldados é tratado de uma doença do sono. Entre as enfermeiras voluntárias, destaca-se Keng, vidente que transmite os pensamentos inconscientes desses mortos-vivos.

    Uma das características evidentes dos filmes de Apichatpong é a dissolução das duplicidades que tratamos como distintas. Vida e morte, corpo e espírito, masculino e feminino, realidade e imaginação perdem a usual separação-oposição e surgem como experiências contíguas, quando não contínuas.

    Mas, ao contrário do cinema de todo dia, feito quase apenas da suspensão da realidade, Apichatpong prefere a via realista.

    Em "Cemitério do Esplendor", o procedimento aparece mais depurado. Há cenas em que o sobrenatural se apresenta aos nossos olhos sem que isso chegue a ser representado. Pasmo, o espectador acredita.

    O cinema torna-se, desse modo, um lugar de vidências, que desafia a obviedade dos blockbusters de mostrar tudo, mesmo o irreal, com recursos virtuais.

    Se esse aspecto já bastaria para Apichatpong se destacar, o filme ainda oferece um viés importante no contexto da produção contemporânea muito submissa ao político como discurso.

    No sono que acomete os soldados, na antiga realeza enterrada no cemitério sobre o qual a escola-hospital se encontra, no trator que prepara um projeto governamental secreto, o filme recupera o poder da alegoria como recurso de expressão de sentidos políticos.

    A ditadura militar que tomou o poder na Tailândia em 2014 assombra essas imagens aparentemente pacíficas. A doença e o misticismo podem ser também metáforas de resistência e de ocultamento.

    Ao filmar de modo oblíquo, Apichatpong constrói uma obra que fica de pé mesmo depois que o perfume exótico se dissipa.

    CEMITÉRIO DO ESPLENDOR
    DIREÇÃO Apichatpong Weerasethakul
    PRODUÇÃO Tailândia/Reino Unido/Alemanha/França/Malásia, 2015
    CLASSIFICAÇÃO 12 anos
    QUANDO estreia nesta quinta (17)

    Edição impressa

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