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    Neschling e secretário de Haddad são citados em delação do Municipal

    GUSTAVO FIORATTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/03/2016 10h18

    Adriano Vizoni/Folhapress
    O maestro John Neschling, que desmaiou durante concerto no Theatro Municipal
    O maestro John Neschling, que é mencionado é apuração do Ministério Público Estadual

    O maestro John Neschling, diretor artístico do Theatro Municipal de São Paulo, e o secretário de comunicação do prefeito Fernando Haddad (PT), Nunzio Briguglio Filho, são citados na delação premiada feita pelo ex-diretor-geral do espaço cultural, José Luiz Herencia.

    Mantida em segredo pelo Ministério Público Estadual de SP desde o início de março, a delação de Herencia foi divulgada em parte nesta quinta (17) pelo jornal "O Estado de S.Paulo", abrindo novo capítulo no escândalo do rombo de até R$ 20 milhões nas finanças do Municipal.

    Diretor-geral da casa até demitir-se em novembro, Herencia é investigado por lavagem de dinheiro e superfaturamento de óperas. Peça central na investigação conduzida pela procuradoria estadual e pela Controladoria Geral do Município, sua delação –que ainda não foi homologada pela Justiça– já rende dor de cabeça a políticos, produtores e artistas.

    A delação foi confirmada à Folha pelo Ministério Público, mas seu inteiro teor será mantido em segredo até a homologação, sem data certa.

    Segundo a delação de Herencia, Neschling pode ter se beneficiado pela seleção de agentes responsáveis por contratações fora do país; Briguglio, um dos auxiliares mais próximos de Haddad, foi citado de forma menos direta, por ter se empenhado em defesa da realização de "Alma Brasileira", peça multimídia do grupo catalão La Fura dels Baus.

    A suspeita sobre a irregularidade teria surgido porque parcelas foram pagas aos agentes que representam o grupo, mas o espetáculo não será realizado –segundo a Fundação Theatro Municipal, por falta de recursos.

    Financiada com participação do Ministério da Cultura, a peça teria participação da Orquestra Sinfônica de São Paulo e estaria orçada em 1 milhão de euros, gasto que foi autorizado por Neschling. A assessoria do teatro não soube responder se os valores serão devolvidos.

    LAVAGEM DE DINHEIRO

    Conforme a Folha adiantou em fevereiro, a identificação de irregularidades pela procuradoria comprometeu a gestão do IBGR (Instituto Brasileiro de Gestão Cultural), organização social responsável por parte das contas do teatro.

    O Ministério Público informou que viu indícios de "contratos superfaturados, de esquemas para lavagem de dinheiro, de enriquecimento ilícito e de desvio de finalidade nos contratos".

    Bruno Poletti/Folhapress
    O ex-diretor do Theatro Municipal, José Luis Herencia, no coquetel da Virada Cultural 2015, em SP
    O ex-diretor do Theatro Municipal, José Luis Herência, no coquetel da Virada Cultural 2015, em SP

    A operação também teve como alvo a casa do diretor da IBGC, William Nacked, bem como o imóvel onde fica outra organização presidida por ele, o Instituto Brasil Leitor. Nacked também é alvo na delação de Herencia.

    O advogado de Neschling, Eduardo Pizarro Carnelós, classificou de "absurdo o vazamento de depoimento e de documentos ainda não juntados aos autos" do processo e negou que o maestro tenha cometido irregularidades. Briguglio diz que não teve nenhuma participação na decisão de contratar ou realizar o espetáculo. William Nacked não quis se manifestar.

    Procurado, José Luiz Herencia também não quis se manifestar.

    Com a abertura das investigações e com a alegação de que a crise econômica afetaria a programação do teatro, a prefeitura nomeou Paulo Dallari para a direção geral da casa, e o IBGC foi afastado da administração.

    JUCA FERREIRA

    O Ministério Público informou à Folha que Neschling será chamado a depor. Sobre Nunzio, o promotor Arthur Lemos, responsável pelo caso, diz que ainda não decidiu se levará adiante a investigação.

    O ministro Juca Ferreira, que era secretário municipal de cultura quando Herencia e Neschling foram nomeados para os respectivos cargos –e com quem Herencia já trabalhou no Ministério da Cultura–, não foi citado na delação, apurou a reportagem.

    Ao Ministério Público, Herencia conta ainda que o maestro pode ter sido beneficiados por acordos com o agente cultural argentino Valentin Proczynski, responsável não só pelo agenciamento do La Fura Dels Baus, mas de outras óperas, como "Lady Macbeth" e "El Amor Brujo", previstas para este ano.

    Proczynski já foi pivô de escândalos financeiros na Itália. Ele não foi localizado pela reportagem.

    Após ter sido denunciado, Herencia teve bens bloqueados pela Justiça, entre os quais três terrenos em Ilhabela (SP) e dois apartamentos em São Paulo. Um dos apartamentos está no nome de sua namorada e vale cerca de R$ 4 milhões. A suspeita sobre Herencia foi levantada após documentação apreendida em sua casa revelar movimentação financeira não compatível com seus rendimentos.

    Entre janeiro e junho de 2014, ele teria movimentado mais de R$ 2,7 milhões em uma conta. Também ficou provado que houve repasses milionários em contas de sua mãe.

    Há desdobramentos da crise gerada pelas investigações, tanto no âmbito interno como fora do teatro. Na semana passada, Dallari demitiu Bernardo Guerra, que ocupava o cargo de diretor de produção do Teatro. A assessoria de imprensa da instituição não explicou o motivo do afastamento.

    Fora do teatro, o Ministério Público também passou a investigar suposto uso do ProAC (Programa de Ação Cultural), do governo paulista, para desvio de recursos públicos para um bar que tem como sócios Herencia e Luís Sobral, um dos coordenadores da pré-campanha do vereador Andrea Matarazzo à Prefeitura de São Paulo pelo PSDB.

    OUTRO LADO

    Carnelós, o advogado de Neschling, disse ainda que seu cliente "nunca assinou contratos, nem foi responsável por pagamentos efetuados, cabendo-lhe, apenas, a indicação dos artistas e a supervisão da produção dos espetáculos" e que a agenda do regente no exterior "está aos cuidados de vários agentes internacionais, todos eles pagos diretamente pelo maestro quando lhe prestam serviços".

    O assessor de comunicação da prefeitura, Nunzio Briguglio Filho, diz que não tem relação profissional com a administração do Municipal e que seu cargo não lhe permite assinar ou mediar contratos do teatro. Ele assume apenas que incentivou a criação do projeto "Alma Brasileira", que é objeto de investigação. "Mas eu defendi porque me pareceu um projeto importante", declarou.

    Procurado, o prefeito Fernando Haddad não deu entrevista –sua assessoria disse que não conseguiu localizá-lo até a publicação deste texto.

    Também foram procurados William Nacked, diretor da organização social Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, que administrou o teatro até fevereiro, e Paulo Dallari, atual diretor geral da fundação. Eles se negaram a falar.

    A reportagem procurou o agente cultural argentino Valentin Proczynski, mas não o localizou até a publicação deste texto.

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