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    OPINIÃO - RÉPLICA

    Sentido político do 'Cálice' de Chico se mostra agora vigarice

    REINALDO AZEVEDO
    COLUNISTA DA FOLHA

    22/03/2016 02h10

    Vândalos interromperam no sábado um espetáculo de teatro em Belo Horizonte, numa inequívoca manifestação de intolerância, e o ataque à liberdade de expressão teve continuidade nesta Folha, em texto do colunista Bernardo Mello Franco.

    O evento se deu no Sesc Palladium, durante a apresentação da peça "Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos". O ator e codiretor Cláudio Botelho introduziu um caco com críticas a Dilma e Lula. Petistas da plateia começaram a urrar a palavra de ordem mais canalha da história do Brasil: "Não vai ter golpe". O espetáculo foi suspenso, e o dinheiro dos ingressos, devolvido.

    Quarenta e oito anos depois de uma horda de fascistas de extrema direita ter invadido o teatro Ruth Escobar, em São Paulo, e espancado os atores que encenavam "Roda Viva", também de Chico, fascistas de esquerda mostraram a fuça. Desta feita, o cantor e compositor está com os bandidos. Cassou a autorização para Botelho usar as suas músicas. Compatível com um castrista, que defende censura a biografias.

    Mas e Bernardo? Escreveu um artigo em que ignora o episódio em si, preferindo dar relevo a uma gravação clandestina, feita no camarim, em que Botelho vitupera, e com razão!, contra os agressores.

    Para o colunista, o desabafo do artista -que ele chama de "chilique"- é a evidência de uma "face da nova direita" que "muita gente prefere fingir que não vê". Ele ataca também "boa parte da mídia".

    Com esse vocabulário, ainda acabaria na Secom se o governo não fosse cair em maio.

    Essa nova face seria marcada pela "raiva e intolerância". É mesmo? Petistas perseguem jornalistas nas ruas, que se escondem para não ser espancados.

    Há muito não lia um texto que invertesse, de forma tão absoluta, os papéis do agressor e da vítima. Ao transformar Botelho em responsável pela violência que sofreu, Bernardo confere a plateias, Brasil afora, a licença de encabrestar autores e atores, decidindo, no muque, que espetáculo pode e não pode ter continuidade.

    Escreve ele: "Perseguido pela ditadura militar, Chico já viu este filme antes. Por isso, retirou a autorização para Botelho usar suas canções." O colunista inventou a censura redentora, aquela que redime e previne os pecados do mundo.

    Lembro ao jornalista que a essência de sua profissão é a liberdade de expressão. Quem confere a grupelhos a licença de decidir o que pode e o que não pode ser dito põe uma corda no próprio pescoço.

    Parece que Bernardo, infelizmente, não é contra a censura. Ele só não aceita que se calem as pessoas erradas.

    E Chico? O tempo se encarregou de mostrar que "afasta de mim esse cálice" era só um trocadilho que rebaixava a simbologia religiosa e alimentava a infâmia estética.

    Sua única virtude era o sentido político, que se mostra, agora, uma vigarice.

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