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    CRÍTICA

    Contos, cartas e reportagens definem vigor de Vassili Grossman

    JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    26/03/2016 02h38

    "A Estrada" oferece uma radiografia da obra e da vida de Vassili Grossman, composta por uma seleção de contos, reportagens e cartas. Tal mescla de gêneros define o vigor de sua escrita.

    Nascido em 1905, o autor de "Vida e Destino" foi testemunha da eclosão da Revolução Russa; da morte de Lênin; da ascensão de Stálin; do reino do Grande Terror, com seus expurgos e execuções sumárias; do Pacto Mólotov-Ribbentrop; da invasão da União Soviética pelos alemães; do término da Segunda Guerra Mundial; da morte de Stálin; da denúncia de Khruschov sobre os crimes de Stálin; da viagem da cadela Laika ao espaço no Sputnik 2 (recriada num conto extraordinário, "A cachorra") e, finalmente, da queda de Khruschov em 1964, ano do falecimento de Grossman. 

    Como correspondente de guerra, ele esteve na Stalingrado cercada pelas forças alemãs, convivendo com os soldados no campo de batalha. Ainda como repórter, foi um dos primeiros escritores a publicar um relato sobre os campos de concentração. 

    Divulgação
    Vasily Grossman with the Red Army in Schwerin, Germany, 1945.(Fotos: Jewish Currents/Divulgacao)
    Vassili Grossman chega com o Exército Vermelho a Schwerin, norte da Alemanha, em 1945

    Em "Na cidade de Berdítchev", Grossman mostrou o traço dominante de sua literatura, que sempre oferece ao leitor alternativas contraditórias. O conto apresenta Vavílova "" uma espécie de Joana D'Arc da Revolução Russa.

    Eis que o inesperado ocorre: a contragosto, ela se descobriu grávida: "Queria ter me livrado dele". A rejeição é traduzida linguisticamente: "Vavílova jazia derrotada, e aquilo vitoriosamente escoiceava com seus pequenos cascos, vivo dentro dela".

    Após o parto, a aproximação crescente entre mãe e filho também se esclarece por meio da linguagem. Acompanhemos: "aquela insignificante bola de carne rubro-azulada"; "a pessoinha criticava"; "cantava baixinho canções para a pessoinha". Por fim, o narrador sintetiza, "virou uma boa mãe judia".

    Contudo, não se espere um desfecho tão previsível! Ao saber que "os polacos vão chegar aqui amanhã", Vavílova deixou o filho para reintegrar-se ao Exército Vermelho. Juntou-se, então, a "um destacamento de cadetes"; por assim dizer, os filhos da Revolução. 

    Grossman plasmou uma história que supõe pelo menos duas leituras. De um lado, o apoio incondicional à causa soviética. De outro, o embrião de um estado totalitário, que se imiscui em todos os domínios da existência. 

    "O inferno de Treblinka", escrito imediatamente após ele ter conhecido o local, é um dos eixos do volume. A reportagem deve ser lida em paralelo com os contos "A Estrada" –o mais impressionante do livro, que, com grande coragem, aproxima nazismo e comunismo– e "O Velho Professor", um dos primeiros textos ficcionais produzidos acerca da Shoah. Nele, Grossman enfrentou o desafio de lidar com o destino de sua mãe, assassinada numa execução em massa de judeus ocorrida em 1941.

    A Estrada
    Vassili Grossman
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    Por isso, as cartas escritas para a mãe já morta iluminam o caráter único da experiência literária para Grossman. Em suas palavras, o testemunho do "nome mais importante, que a corja dos Hitlers-Himmlers não conseguiu esmagar: o nome de ser humano".

    JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é professor de literatura comparada da UERJ

    A ESTRADA
    AUTOR Vassili Grossman
    TRADUÇÃO Irineu Franco Perpétuo
    EDITORA Alfaguara
    QUANTO R$54,90 (336 págs.)

    Edição impressa

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