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    Romulo Fróes evita som comportado em tributo a Nelson Cavaquinho

    LUIZ FERNANDO VIANNA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    27/03/2016 02h30

    Paulinho da Viola disse a Romulo Fróes: "Nelson Cavaquinho é a pessoa mais livre que eu conheci na vida".

    Se o compositor mangueirense fazia o que queria ""como vender sambas e passar dias na rua bebendo"" não teria sentido para Fróes, ao gravar um CD apenas com canções de Nelson, realizar um tributo bem comportado, destoando da carreira que vem desenvolvendo.

    O paulista faz em "Rei Vadio" um trabalho à sua maneira, com arranjos coletivos, instrumentos elétricos, metais, nada parecido com o que se está acostumado quando o assunto é Nelson Cavaquinho (1911-1996).

    Zanone Fraissat/Folhapress
    SAO PAULO/SP-BRASIL,21/03/16 -Retrato do musico Romulo Froes que gravou um CD apenas com cancoes de Nelson Cavaquinho.(Foto: Zanone Fraissat / ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO***
    O cantor e compositor paulista Romulo Fróes

    "Não faria um disco lírico, bonitinho, para aparar as arestas do Nelson. Nem faria um disco 'esperto', todo com ruídos.", avisa Romulo.

    "É um disco de samba, mas não como acham que o samba tem de ser, e sim a partir das minhas experiências. Podem até não gostar, mas não vão dizer que é banal, preguiçoso."

    Já faz mais de 20 anos que Romulo foi apresentado à obra de Nelson e a transformou em sua referência maior. Ele se identificou com os temas sombrios (tristeza, luto, morte), mas não só.

    "Quando eu comecei a ouvir, me perguntava: 'Como alguém deixou esse cara gravar?'. Aquela voz, o violão, os defeitos, as ranhuras. Vi que era possível fazer coisas assim."

    Embora seja o título do CD, Romulo não incluiu no repertório "Rei Vadio". Mas pôs "Rei Vagabundo". E "Cinza", "Luto", "Erva Daninha", "Luz Negra", sambas cujos títulos já dão o tom.

    "As pessoas me falam que fiz o lado B do Nelson. Na verdade, ele é um grande lado B. Então, acho que fiz o C. Deixei 'A Flor e o Espinho' de fora porque era lado A demais", diz ele, que também excluiu "Folhas Secas" e "Duas Horas da Manhã" por considerar insuperáveis as gravações de Elis Regina e Paulinho da Viola, respectivamente.

    "Juízo Final", tema de abertura da novela "A Regra do Jogo", encerra o CD.

    Romulo chamou três intérpretes paulistas "" e bem diferentes entre si "" para participar: Dona Inah ("é o Nelson de saias"), Ná Ozzetti e Criolo.

    O fato de Romulo ser paulista ajuda a explicar a liberdade que tomou com as composições, criadas por um sambista adorado no Rio.

    "Não conseguiria fazer isso se fosse carioca. São Paulo é mais híbrido, vira-lata. Os maiores autores de sambas daqui são um cientista [Paulo Vanzolini] e um italiano [Adoniran Barbosa, nascido em Valinhos]. A história não é tão cristalizada quanto no Rio", afirma.

    Ele também não endossa a ideia de que o samba "agoniza mas não morre" (verso de Nelson Sargento), tão cantada no Rio.

    "Há gente que está todo domingo no programa da Regina Casé e diz que o samba não tem espaço", incomoda-se ele, crítico da visão do gênero como "reserva moral do país". "É essa coisa horrível de 'samba de raiz'. Não querem ver o samba como um lugar de invenção. Nelson é um inventor."

    Corroborando o que Nuno Ramos escreveu em célebre ensaio sobre Nelson Cavaquinho, Romulo vê o compositor também como metáfora de um país que agora tem geladeiras e televisões, mas continua miserável, como nas imagens do clássico curta-metragem "Nelson Cavaquinho" (1969), de Leon Hirszman.

    "Um país com racismo, homofobia, intolerância religiosa, em que ainda se quer que pobres, pretos e índios fiquem 'no lugar deles'", diz Romulo, ressaltando não sentir pena de Nelson bêbado e desgrenhado no filme. "Ele é um rei africano. Ou índio. Ou mameluco."

    LUIZ FERNANDO VIANNA é autor de "Aldir Blanc - Resposta ao Tempo" (Casa da Palavra)

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    ARTISTA Romulo Fróes
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