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    Novo formato de exibição em casa divide Hollywood

    BROOKS BARNES
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    29/03/2016 02h00

    Jordan Strauss/Associated Press
    Sean Parker, um dos criadores do Napster e da nova da startup
    Sean Parker, um dos criadores do Napster e da nova da startup

    Os empreendedores da tecnologia estão sempre chegando a Hollywood com novos serviços, que supostamente devem modernizar o negócio do cinema. Se os velhos, empoeirados e estúpidos estúdios e cadeias de salas de cinema simplesmente decidissem que é hora de parar de enrolar e aderissem, todos os problemas do setor de entretenimento estariam resolvidos.

    Hollywood inevitavelmente apanha esses inovadores pela cauda e os arremessa para bem longe.

    Uma versão dessa história parece ter acontecido neste mês a Sean Parker, investidor de tecnologia, e Prem Akkaraju, antigo executivo do setor de música. A dupla talvez ainda consiga sair vitoriosa —sua startup, chamada Screening Room, levaria filmes de grande apelo comercial às casas dos espectadores no mesmo momento em que são lançados nas salas de cinema—, mas a maioria dos estúdios e das operadoras de salas de cinema, e alguns cineastas importantes, já declararam sua oposição à empreitada.

    O serviço Screening Room, que ganhou destaque por conta de uma reportagem na revista "Variety" em 9 de março, pretende que os usuários paguem US$ 150 por um aparelho (sim, mais um) a ser instalado em suas salas de estar e usado para alugar filmes com grande apelo popular (ao preço de US$ 50 cada por 48 horas), no mesmo dia em que são lançados nas salas de cinema. Parker e Akkaraju precisariam primeiro convencer os estúdios a lhes fornecer os filmes, no entanto.

    É uma proposta muito controversa no mundo do entretenimento. Se os consumidores puderem assistir imediatamente, de casa, aos novos filmes de grande orçamento, preocupam-se os proprietários de salas de cinema, que motivo grande número deles teria para arrastar suas famílias a um cinema e, o mais importante, gastar uma fortuna em comida e bebida?

    Os estúdios estão mais dispostos a participar. Mas se preocupam com a possibilidade de que a nova ideia venha a subtrair vendas do negócio do DVD, que ainda movimenta muito dinheiro, e que ela além disso enfureça os donos de salas de cinema.

    A pirataria também é uma preocupação, especialmente pela ideia vir de um dos cofundadores do Napster (site de compartilhamento de música), o primeiro degrau na fama de Parker. Até agora, todos os esforços para acelerar a chegada dos filmes de grande orçamento aos domicílios foram fiascos, com uma ou outra das partes interessadas fazendo forte resistência. (Houve uma tentativa da DirecTV em 2011, uma iniciativa da Comcast mais tarde naquele mesmo ano e um esforço da Paramount Pictures meses atrás, entre outros.)

    Parker e Akkaraju, que não quiseram comentar o assunto para esta reportagem, estão tentando convencer os estúdios e as salas de exibição ao oferecer às duas partes parcela considerável do dinheiro a ser arrecadado. E já contam com uma grande operadora de salas de cinema como aliada: a AMC Entertainment, segunda maior cadeia de salas de cinema da América do Norte, atrás da Regal Entertainment.

    Em um esforço adicional para convencer os relutantes executivos dos estúdios e das cadeias de cinema, Parker e Akkaraju conseguiram depois o apoio público de alguns diretores de cinema importantes. Gente como Peter Jackson, J. J. Abrams e Ron Howard concedeu entrevistas ou divulgou declarações em apoio à nova empresa.

    Entretanto, no final da semana, o mecanismo de Hollywood parecia estar funcionando a toda força em oposição ao Screening Room.

    Christopher Nolan, James Cameron e Brett Ratner expressaram forte oposição, publicamente. A Regal sinalizou que resistiria vigorosamente. A Aliança Nacional dos Proprietários de Cinemas divulgou um comunicado gélido. A Art House Convergence, que representa mais de 600 proprietários de salas de cinema de arte, declarou que "questionamos seriamente o aspecto econômico do modelo de compartilhamento".

    Dois grupos europeus, a União Internacional de Cinemas e a Associação de Cinemas do Reino Unido, criticaram a Screening Room.

    Entre as empresas que declararam desinteresse estão: Warner Bros., responsável por uma série de filmes financiados em parte pela empresa de Ratner; e a Disney, que controla as marcas Pixar, Marvel e Lucasfilm.

    O cinema pode ser enlouquecedoramente lento e conservador, em termos de negócios, mas as pessoas que tentam acelerar as mudanças muitas vezes parecem repetir o mesmo erro de cálculo.

    Elas acreditam que Hollywood resista a mudanças porque tem medo, ou porque prefere não reconhecer a realidade, ou as duas coisas. Isso existe em alguma medida, é claro. Mas o principal motivo para a relutância é que Hollywood é inteligente.

    Os estúdios e os proprietários de salas de exibição sabem que os filmes serão distribuídos de modo diferente no futuro. As pessoas poderão assistir a filmes em suas salas de estar muito antes do que é possível agora.

    Mas iniciativas como a Screening Room representam um apelo a essas companhias da velha guarda para que coloquem em risco um volume imenso de dinheiro -US$ 11,7 bilhões em vendas de ingressos de cinema, na América do Norte em 2015, ou 7,4% a mais do que o ano anterior, sem mencionar a receita trazida pelos DVDs e pela venda de comida e bebida nas salas.

    Quem promove o desordenamento da velha tecnologia seria claramente beneficiado. Mas a antiquada experiência comunitária de ir ao cinema continua a ser extremamente poderosa, tanto em termos culturais quanto como negócio.

    E com dinheiro dessa ordem em jogo, Hollywood não se incomoda nem um pouco por continuar parecendo careta.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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