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    'Filme de corno', 'Para Minha Amada Morta' é melodrama com ar de thriller

    MARIA CLARA MOREIRA
    DE SÃO PAULO

    31/03/2016 02h00

    Dita a Bíblia que "conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". "Para Minha Amada Morta", primeiro longa ficcional solo do diretor baiano Aly Muritiba, mostra que não é bem assim.

    Ele acompanha Fernando (Fernando Alves Pinto), um viúvo mergulhado no luto que se agarra aos velhos pertences da mulher, Ana (Michelle Pucci), na tentativa desesperada de manter viva sua memória. Remexendo as fitas cassetes dela, encontra o registro um adultério que desconhecia. Nos braços de outro homem, ela sussurra: "Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida".

    "Isso é muito mais profundo", afirma Muritiba em entrevista à Folha. "Se a mulher apenas 'desse' para um sujeito, seria doloroso. Se 'desse' de uma forma muito gostosa, seria ainda mais doloroso. Mas ela se declara, e é isso que reverbera na cabeça dele."

    Devastado, o traído parte para conhecer seu algoz, Salvador (Lourinelson Vladmir), ex-presidiário que trabalha em um ferro-velho. Cedendo a delírios de vingança, o viúvo se muda para a casa dos fundos do operário e se infiltra em seu núcleo familiar.

    "Para Minha Amada Morta" então deixa o melodrama de lado para mergulhar no suspense, com a promessa de violência física, sexual e psicológica iminentes.

    O longa chega aos cinemas nesta quinta (31) após ser exibido na última edição do Festival de Brasília, onde levou sete prêmios Candango.

    "A fita é uma segunda morte. É perder a mulher de novo, e se perder também", afirma Fernando Alves Pinto, intérprete do protagonista. "Ele se definia como o amor da vida dela, mas depois descobre a existência de outro e fica sem chão."

    Muritiba, que também assina o roteiro, arma um jogo de sedução entre Fernando, a mulher de Salvador, Raquel (Mayana Neiva), e Estela (Giuly Biancato), a filha adolescente do casal. A obsessão do viúvo ganha ares homoeróticos quando ele se esgueira para dentro da casa do rival e cheira sua camisa.

    "Ele começa a contaminar o universo do Salvador e a ser contaminado por ele também", diz o diretor. "A sedução entre eles não é erótica ou sexual, mas uma admiração, um dos estágios do desejo. É possível nutri-la por outro homem."

    Inserido na periferia onde vive o ex-amante de Ana, o protagonista não compreende por que a mulher o traiu com um homem bruto e de classe social inferior.

    "Ele se pergunta o que ela pode ter visto naquele sujeito. Viu o que não via nele", explica Muritiba, que confessa tirar certa satisfação ao ver o operário "comendo e comendo bem" a mulher do burguês.

    AUSÊNCIA

    A amada morta que dá nome ao filme só aparece durante três minutos de projeção. Ao diretor, coube presentificar sua ausência.

    "O desafio foi fazer ver o invisível. Acho que esse fantasma habita o filme todo", afirma. Ele desloca o protagonista do quadro, deixando vazio o espaço que Ana ocuparia se estivesse lá.

    Assim como Fernando, também o espectador idealiza a mulher que assombra o filme, conhecida apenas a partir das lembranças dos homens de sua vida.

    FILME DE CORNO

    "'Para Minha Amada Morta' é um filme de corno. Se eu botasse Wesley Safadão na trilha sonora, iria bombar", brinca Muritiba.

    Mas a temática não é das mais fáceis para Fernando Alves Pinto. "Eu não sou ciumento", explica o ator, marido da atriz Letícia Sabatella.

    Para ajudar o intérprete a entrar no personagem, o diretor apelou para a música.

    "Ele me fez escutar uma seleção de canções de corno", conta Fernando. No repertório, Maysa, Tim Maia, Odair José e Waldick Soriano.

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