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    CRÍTICA

    Densidade psicológica marca 'Para Minha Amada Morta'

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    DE CRÍTICO DA FOLHA

    31/03/2016 02h30

    Uma história de violência sem tiroteios nem sangue jorrando. Uma trama sobre o abismo do sexo na qual os corpos nem se tocam. Um filme que contradiz quem ainda acha que cinema brasileiro é sinônimo de miséria, humor barato e sexo gratuito.

    Assim é "Para Minha Amada Morta", primeiro longa solo do diretor Aly Muritiba. O filme também desmente quem ainda pensa que só os argentinos sabem fazer cinema com densidade psicológica, superior ao nosso, autossatisfeito com a sociologia de Facebooteco.

    Muritiba vem sendo tratado como um personagem quase folclórico por ter sido bilheteiro da CPTM enquanto estudou história na USP e, depois, por ter trabalhado no Corpo de Bombeiros e como agente penitenciário antes de se impor ao fechado clube do cinema.

    Em curtas excelentes, como "A Fábrica" e "Pátio", sua vivência do universo carcerário transparecia em experiências cinematográficas claustrofóbicas.

    "Para Minha Amada Morta" testa seu fôlego de cineasta para além das grades dos festivais. A trama gira em torno de Fernando (Fernando Alves Pinto), jovem viúvo que ao lado do filho pequeno vive o luto recente por meio de objetos da mulher, como sapatos e vestidos, e memórias, fotos e vídeos.

    A descoberta de uma traição empurra Fernando rumo ao ressentimento e à vontade de vingança, e ele se aproxima da família de Salvador (Lourinelson Vladmir), o amante.

    O filme é construído todo a partir de tensões. O sofrimento da traição, a intromissão na casa do amante, os desejos e provocações com a filha adolescente e a mulher do outro, uma arma, o sumiço de um cão são situações que o filme elege para criar um suspense que se acumula.

    Muritiba, no entanto, não recorre às molas de tensão e catarse do "thriller" clássico. Seu cinema se interessa mais pela forma como o sentimento age como um veneno, corroendo Fernando e depois fragilizando a rigidez da moral evangélica que Salvador impõe à família.

    Depois de criar, nos curtas, narrativas em que o espaço era mais que um ambiente, era um personagem eloquente, Muritiba amplifica esse conceito.

    Em "Para Minha Amada Morta", uma sala bagunçada, um espelho quebrado, um quarto de fundos e uma pilha de entulhos dizem mais sobre o estado terminal de uma paixão do que mil palavras.

    PARA MINHA AMADA MORTA
    DIREÇÃO Aly Muritiba
    ELENCO Fernando Alves Pinto, Mayana Neiva, Lourinelson Vladmir e Giuly Biancato
    PRODUÇÃO Brasil, 2015, 14 anos
    QUANDO estreia nesta quinta (31)

    Edição impressa

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