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    CRÍTICA

    Herbie Hancock e Wayne Shorter apelam à imaginação da plateia

    CARLOS CALADO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    01/04/2016 02h50

    "Uma viagem perigosa". Foi assim, ainda agradecendo os aplausos eufóricos de parte da plateia da Sala São Paulo, que o pianista Herbie Hancock, 75, se referiu ao concerto que ele e o saxofonista Wayne Shorter, 82, tinham acabado de apresentar, quarta-feira (30), na noite de abertura do BrasilJazzFest.

    No palco, a presença de um sintetizador eletrônico ao lado do piano de cauda já anunciava um concerto inusitado, antes mesmo da entrada em cena dos veteranos jazzistas norte-americanos. Quem esperava ouvir as composições mais populares de Hancock e Shorter, ou mesmo releituras de clássicos do jazz, certamente se surpreendeu. Ou até se decepcionou.

    Fieis ao princípio de não se repetirem, que adotaram ainda na década de 1960 como integrantes do lendário quinteto do trompetista Miles Davis, os velhos parceiros se lançaram em uma longa aventura sonora. Sem recorrer a melodias conhecidas, tocaram por cerca de 70 minutos com um grau de liberdade que só os grandes improvisadores têm coragem de encarar.

    Keiny Andrade/Folhapress
    SAO PAULO - SP - 30.03.2016 - ILUSTRADA - Brasil Jazz Fest - Abertura do festival BrasilJazzFest com show de Herbie Hancock (piano) e Wayne Shorter, na Sala Sao Paulo. Foto: Keiny Andrade / Folhapress
    Abertura do festival BrasilJazzFest com show de Herbie Hancock (piano) e Wayne Shorter, em SP

    Comparada ao que Hancock e Shorter gravaram quase duas décadas atrás, no álbum de duos "1+1" (1997), a música criada na Sala São Paulo –ao vivo– por eles é bem mais livre e atmosférica, não segue formas convencionais. E a adição do sintetizador ao piano acústico e ao sax ampliou bastante as opções, em termos de sonoridades e efeitos. Aliás, é impressionante a expressiva variedade de sons que Shorter extrai do sax soprano.

    As improvisações da dupla se assemelham, em várias passagens, a trilhas sonoras de filmes de aventura. Climas sombrios evocam situações de suspense, perseguições, viagens espaciais. Trata-se de música criada no ato do improviso que apela diretamente à imaginação e à cumplicidade dos ouvintes. Sem essa disposição, alguns deixaram a sala antes do final do concerto.

    Para quem gosta de rótulos, talvez a música desse duo já nem possa mais ser classificada como jazz. Mas é inegável que os dois a fazem utilizando a improvisação como um método de composição instantânea –algo que os jazzistas sempre fizeram, com maior ou menor dose de liberdade.

    Com o bis exigido pela plateia que ficou na sala, Hancock e Shorter fizeram a única concessão da noite. Como assumidos fãs da música brasileira que são há décadas, lembraram a canção "Encontros e Despedidas" (de Milton Nascimento e Fernando Brant). Mesmo assim, o saxofonista esboçou a melodia de uma maneira tão livre que, ao perceber que ela não fora reconhecida, se viu obrigado a anunciá-la.

    Compartilhar as fantasias e viagens sonoras desses grandes instrumentistas e compositores nos faz lembrar que a música pode ser bem mais livre e inventiva do que os modismos vazios e "covers" apelativos que ouvimos diariamente por aí.

    HERBIE HANCOCK & WAYNE SHORTER

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