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    Erika Verzutti se consagra com esculturas de bichos e frutas estranhas

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    03/04/2016 02h03

    Um dinossauro triste chora em cima de uma caixa de onde parece ter escapado. Em gestos quase de balé, cisnes brancos torcem o pescoço para encarar pepinos insolentes.

    Erika Verzutti passou as últimas duas décadas afiando essas formas na tentativa de construir qualquer coisa que parecesse arte contemporânea. Suas esculturas de isopor, argila crua, fibra de vidro, cola e outros materiais dão a estranha sensação de estar em formação –ou dissolução– em plena galeria.

    Entre o desmanche total e um desabrochar exuberante, as obras dessa artista paulistana chamaram a atenção primeiro da crítica estrangeira –ela já esteve em mostras no Guggenheim, em Nova York, e museus e galerias de Londres a Tóquio– e aos poucos vêm fincando pé no cenário nacional, talvez ainda avesso a um trabalho difícil, meio feio, às vezes até engraçado.

    Ela sabe ser indigesta e essa talvez seja a maior força de seu trabalho. Depois de quatro mostras na galeria Fortes Vilaça, que lançou sua obra no mercado há 13 anos, Verzutti abre agora sua primeira grande individual em São Paulo fora de um endereço comercial.

    No centro cultural Pivô, que ocupa um andar inteiro do edifício Copan, seus cisnes, pepinos e dinossauros ressurgem agigantados, como se desafiassem as colunas e paredes daquele espaço.

    Eles são os sobreviventes dos destroços que Verzutti mostrou no Panorama da Arte Brasileira, exposição encerrada em janeiro no Museu de Arte Moderna paulistano, onde ela montou o que chama de cemitérios –montes de caquinhos de suas esculturas que não deram certo.

    Na próxima Bienal de São Paulo, marcada para setembro, Verzutti também quer mostrar algo "arriscado e experimental", mas diz que ainda não sabe o que vai ser e está nervosa, como se estivesse cozinhando um banquete para uma multidão esfomeada.

    "Achava a arte contemporânea uma farsa, não tinha a menor noção do que era", conta Verzutti, em seu ateliê no centro de São Paulo. "Cheguei a um grau zero buscando uma coisa honesta, quase que nem fazer cobrinha de massinha. Isso até eu me sentir resgatada pela escultura."

    Esse resgate tem a ver com algo tátil. Verzutti, que estudou design numa das últimas turmas antes da invasão dos computadores, parece obcecada com a dimensão física da imagem, rugas e fissuras. Toda a sua obra é uma reflexão sobre a natureza das coisas reais na era do touch screen.

    "Não existe mais hierarquia entre algo visto na tela do telefone ou ao vivo", diz a artista. "Mas sempre penso em quanto dura uma imagem hoje na nossa cabeça, e as imagens que ficam nem sempre são as mais bonitas. Estou mais interessada na forma, num jeito de entender a vida."

    Verzutti então descobriu a jaca. Ou pelo menos sua casca, traço mais aflorado de suas esculturas da fruta. Recorrente em sua obra, o vegetal virou um mantra sobre a presença física e a natureza da escultura enquanto obra de arte, desafiando a ideia de representação mesmo sem deixar dúvidas sobre ser uma jaca.

    Talvez por isso, críticos enxergam no trabalho de Verzutti uma profanação dos cânones sagrados da escultura. No lugar da Vênus, frutas, pepinos, dinossauros e cisnes meio amassados, desengonçados.

    'MAÇAROCA'

    Isso porque ela faz questão de meter a mão nas obras, moldando o que chama de "maçaroca técnico-intuitiva". Suas peças enfatizam que tudo parte de um gesto, mesmo que ele possa falhar.

    E ela não acha isso engraçado. Defeitos e eventuais decomposições, que na superfície parecem um ataque à austeridade da escultura de pegada mais séria de artistas minimalistas ou conceituais, fazem parte de sua estratégia de buscar beleza onde talvez seja mais fácil encontrar o kitsch.

    "Não é irônico nem satírico. É um humor mais subliminar e inteligente, que respeita tudo que estaria por trás da escultura", diz sua galerista, Marcia Fortes. "Ela sempre defendeu as marcas deixadas pelo processo de trabalho."

    Em última instância, também defende a história da arte, infiltrando referências a esculturas e pinturas clássicas mesmo em seus trabalhos de toada mais iconoclasta.

    No Pivô, por exemplo, um enorme cisne traz nas costas uma passarela metálica, com uma tonelada de aço distribuída em placas retangulares sobre o bicho esbranquiçado –uma alusão a nomes como Richard Serra e Amilcar de Castro, que fizeram fama com trabalhos de metal pesadíssimos.

    "É essa coisa bem macho, uma conversa dela com os escultores que dobram chapas de aço, mas ela adocica isso", observa Fernanda Brenner, diretora do centro cultural. "A graça dela é que a obra tem essa coisa meio caseira. Ela provoca controvérsias no sistema de classificação da arte. Faz algo meio esotérico."

    ERIKA VERZUTTI
    QUANDO abre neste domingo (3), às 16h; de ter. a sex., das 13h às 20h; sáb., 13h às 19h; até 28/5
    ONDE Pivô, av. Ipiranga, 200, bloco A, lj. 54, tel. (11) 3255-8703
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