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    CRÍTICA

    Stephen King volta à velha boa forma com 'Mr. Mercedes'

    THALES DE MENEZES
    DE SÃO PAULO

    02/04/2016 03h37

    O primeiro capítulo de "Mr. Mercedes" reúne as melhores páginas que o americano Stephen King, 68, escreveu nos últimos 20 anos. Flagra um grupo de pessoas passando uma madrugada muito fria numa calçada. É uma fila para novas vagas de emprego.

    Essa introdução chega a lembrar "filmes-catástrofe" dos anos 1970, como "Terremoto" ou "Inferno na Torre", que dedicavam sua parte inicial a apresentar os personagens que, em seguida, lutariam pela vida diante de terríveis infortúnios.

    Mas aqui King prega uma peça. Os tipos interessantes que ele esboça nas conversas da madrugada vão desaparecer de cena no capítulo seguinte. Morrem ali, atropelados por um Mercedes. O carro, roubado de uma viúva rica, é largado perto dali. Nada se sabe de seu motorista.

    Não, King não fez mais um "Christine - O Carro Assassino", um de seus clássicos do terror dos anos 1980 adaptados para o cinema. O motorista existe, é um sociopata e vai guiar a história que se segue.

    Mas, apesar de o sr. Mercedes ser tão ignóbil, as atenções do leitor vão se desviar para seu antagonista, o policial aposentado Bill Hodges.

    Depois de vender mais de 300 milhões de livros e deixar seus seguidores arrepiados, King finalmente preenche uma lacuna em sua extensa galeria de tipos.

    Para quem já criou cachorros e outro animais possuídos pelo demônio, máquinas com desejos assassinos, bonecos vingativos e outras entidades bizarras, faltava a ele o personagem mais comum e reverenciado da literatura de suspense e mistério: o detetive.

    Bill Hodges é tratado com muito carinho por seu criador.

    "Mr. Mercedes" foi anunciado como o primeiro livro de uma trilogia de aventuras com o ex-policial. E King já manifestou o desejo de produzir uma série de TV para ele.

    O escritor é venerado por muitos fãs por sua criatividade. Com justiça, embora sua produção prolixa e irregular dos últimos anos às vezes comprometa a percepção de sua obra extraordinária na literatura de terror e suspense do século passado.

    Por isso, muitos fãs devem estar esperando para ver quais as características que vão marcar o detetive de King. E aí vem a surpresa.

    No lugar do recurso habitual de criar alguma bossa para um herói detetive –traumas familiares, alcoolismo, sede de vingança, hobbies esquisitos, coisas assim–, King rascunhou Hodges como um tipo bem comum. Bebe, sim, mas pouco, apenas para atenuar o tédio da aposentadoria. Tem lá seus probleminhas com o passado, mas nada que interfira na ação.

    Hodges é apenas um veterano de investigações, um cara que conhece bem as ruas de sua cidadezinha no Meio- Oeste americano.

    Quando o sr. Mercedes envia ao ex-policial uma carta na qual assume a autoria dos atropelamentos e promete matar novamente, Hodges vai atrás dele porque é só isso que sabe fazer na vida: caçar e prender os caras maus.

    "Mr. Mercedes" não é uma história de mistério. Sabemos quem é o assassino, o que ele fez e como fez logo no primeiro terço da narrativa. O que vale mesmo é a maneira tensa como King vai estabelecendo o confronto entre mocinho e bandido. O mestre do terror ainda sabe contar muito bem uma história.

    MR. MERCEDES
    AUTOR Stephen King
    TRADUTOR Regiane Winarski
    EDITORA Suma de Letras
    QUANTO: R$ 44,90 (400 PÁGS.)

    Edição impressa

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