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    ANÁLISE

    Produção exagerada de 39 álbuns escondeu genialidade de Prince

    THALES DE MENEZES
    DE SÃO PAULO

    21/04/2016 15h33

    Prince Rogers Nelson elaborou umas das melhores misturas musicais do mundo pop. Elementos de rock, funk, soul, hip hop e jazz, embalando letras de conteúdo sexual, foram transformados em 39 discos de estúdio que venderam mais de 100 milhões de discos pelo planeta.

    Do início fulminante da carreira, como um multi-instrumentista recém-saído da adolescência que fazia um álbum incrível depois de outro, Prince se transformou num workaholic recluso, que produzia música compulsivamente no complexo de casa-estúdio-local de shows que mantinha próximo a Minneapolis, sua cidade natal.

    Pelo caminho, ganhou sete prêmios Grammy, um Oscar e um Globo de Ouro, esses dois últimos por sua bem-sucedida aventura no cinema em 1984, quando estrelou "Purple Rain", no papel de um ídolo de rock genial e egocêntrico envolvido com garotas estonteantes. Ou seja, Prince.

    Para ter a dimensão da importância dele na música, vale lembrar que seus primeiros seis e impecáveis álbuns foram lançados entre 1978 e 1984. Nesse período, Michael Jackson gravou "Off the Wall" (1979) e "Thriller" (1982) e se transformou no maior ídolo pop da face da Terra. Prince, também negro e miúdo, surgia como um contraponto poderoso.

    Não teria a mesma popularidade de Jackson (ninguém teria, claro), mas ofereceu uma versão mais safada, ladina e musicalmente mais rica do que o ídolo número um. Tocando todos os instrumentos e se autoproduzindo no estúdio, Prince se transformou em um artista que surpreendia seu público a cada disco. Era acompanhado por garotas bonitas no palco, promovendo meninas de talento com Wendy & Lisa e Shiela E, e fora dele –namorava modelos e presenteava cantoras com canções destinadas a hits, como fez com Sheena Easton, Sinead O'Connor e Suzanna Hoffs.

    "Diamonds and Pearls" (1991), seu décimo terceiro álbum em 13 anos, pode ser considerado seu último disco "normal". A partir daí, sua biografia começa a cruzar seus álbuns com esquisitices variadas. É possível afirmar que Prince passou os últimos 25 anos lutando bravamente para apagar toda a popularidade que conquistou nos anos 1980.

    Produziu discos sem esquema algum de divulgação, alguns praticamente escondidos em lançamentos digitais, trocou o circuito milionário de shows por apresentações inesperadas em locais alternativos. Passava longos períodos sem se relacionar com a imprensa e chegou a abandonar o próprio nome.

    Primeiro, adotou como assinatura uma mistura dos símbolos associados ao masculino e ao feminino, que chamou de "love symbol". Depois, avisou que se tratava de um símbolo impronunciável, então pediu que passasse a ser chamado de "o artista que foi conhecido como Prince".

    A sucessão de discos fracassados lançados nos anos seguintes criou a piada de que ele corria sério risco de se tornar apenas "o artista que foi conhecido".

    De seus últimos 20 álbuns, apenas dois fizeram algum barulho nas paradas: "Musicology" (2004) e "3121" (2006). Na verdade, Prince nem dava chance para as pessoas descobrirem se seus discos ainda eram bons, lançando seu trabalhos numa combinação de rapidez e desleixo.

    O resultado de suas aparições ao vivo também se tornaram imprevisíveis. Com tanto material, poderia oferecer ao público uma noite inesquecível com os sucessos dos anos 1980 ou um inclassificável desfile de músicas obscuras e não tão boas.

    Com sua morte, Prince deixa um legado que pode ser apreciado de duas formas.

    A primeira opção é uma verdadeira roleta russa, acessando em bancos digitais sua impressionante e exagerada produção mais recente. Há momentos de genialidade, mas perdidos em viagens de autoindulgência.

    A segunda opção, sem dúvida mais segura: ir direto a álbuns clássicos como "Dirty Mind" (1980), "Controversy" (1981), "1999" (1982), "Purple Rain" (1984) ou "Sign O' the Times" (1987), alguns dos melhores coquetéis musicais já produzidos.

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