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    análise

    Contundente e carinhoso, Faro extraía o melhor dos entrevistados

    LUIZ FERNANDO VIANNA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    25/04/2016 14h47

    O formato criado por Fernando Faro para o programa "Ensaio" traduz quem ele era: discreto, inteligente, sedutor.

    O telespectador não via seu rosto nem ouvia sua voz. O foco era no entrevistado, não no apresentador —nada parecido com a egolatria obscena dos programas atuais.

    O artista respondia às perguntas olhando de cima para Faro. Não bastasse ser baixinho (seu apelido era Baixo, como também chamava os outros), ele ainda se sentava num nível inferior ao do convidado.

    Inteligente, ele sabia que isso gerava um saudável desconforto: por que a pessoa bateria boca com alguém que escolhia para si uma posição humilde, respeitosa, e cujas perguntas, mesmo que duras, não eram ouvidas pelo público?

    Embora jornalista com experiência em redações, seu objetivo não era extrair o pior de seu interlocutor —como nós, repórteres, tendemos a fazer—, mas o melhor, o revelador, o que desnudasse o artista naquele ambiente intimista, de pouca luz e nenhuma frescura.

    Criado em 1969 na Tupi, o "Ensaio" reapareceu na TV Cultura como "MPB Especial", voltando a ter o nome original em 1973. Foi neste ano, ainda com o título "MPB Especial", que Faro realizou o seu mais perfeito programa: a entrevista com Elis Regina.

    É improvável que, na televisão brasileira, um artista tenha se aberto para um entrevistador da forma que a cantora fez. Tudo sem apelação, com elegância e afeto —Elis e Faro eram muito amigos, tendo trabalhado juntos depois. E tudo com música de alta qualidade.

    assista a trecho

    Faro também trabalhou com Baden Powell, amigo que recebeu três vezes no estúdio. Os manuais de jornalismo devem dizer que não fica bem entrevistarmos amigos. Basta ver os programas de Elis e Baden para entender que o sedutor Faro sabia ser contundente sem deixar de ser carinhoso.

    Felizmente, algumas das centenas de edições do "Ensaio" estão em DVD ou no YouTube. É para nunca deixar de assistir. São conversas sem cartas marcadas e com momentos emocionantes.

    E quando Paulinho da Viola surpreendeu Caetano Veloso entrando, a convite de Faro, no meio da entrevista que o baiano dava? E quando Paulinho, noutra edição, foi surpreendido pela entrada do restante dos Cinco Crioulos (Elton Medeiros, Nelson Sargento, Jair do Cavaquinho e Anescarzinho do Salgueiro)? E quando Cartola cantou "Nós Dois" para dona Zica?

    assista a trecho

    Cada um que acompanhou "Ensaio" tem suas imagens de cabeceira. Talvez até os espectadores mais jovens tenham, pois Faro jamais caiu em nostalgias vazias ou teve preconceitos estéticos.

    Entrevistou Criolo, Racionais MCs, Céu, Filipe Catto, roqueiros, sertanejos, bregas. Todos queriam ir ao seu programa. Não pelo Ibope, mas para não ter essa lacuna na sua biografia, na sua vida.

    Faro também levou a literatura e outras artes à TV no "Móbile", que foi ao ar na Tupi (1963 a 1967) e, mais tarde, na Cultura. Realizou com os tropicalistas, na Tupi, o "Divino, Maravilhoso" (1968). Estava sempre junto com os melhores e à frente do tempo.

    Venceu a sua batalha quixotesca —apesar da compleição de Sancho Pança— para levar inteligência à TV brasileira. Ele deve à Cultura pelo apoio que recebeu, mas, sobretudo, a Cultura deve a ele. Aliás, a cultura brasileira deve a Faro, especialmente a música, por quem fez tudo que a sua inteligência, o seu afeto e a sua retidão permitiram.

    LUIZ FERNANDO VIANNA é autor de "Aldir Blanc - Resposta ao Tempo" (Casa da Palavra).

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