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    folha fronteiras

    O poder do dinheiro é a maior ameaça à democracia, diz Fukuyama

    RAUL JUSTE LORES
    DE SÃO PAULO

    30/04/2016 02h00

    Ilustração André Toma
    O cientista político americano Francis Fukuyama
    O cientista político americano Francis Fukuyama

    O peso do dinheiro em campanhas políticas e lobbies no Congresso é a maior ameaça à democracia liberal, diz o cientista político americano Francis Fukuyama, 63. Ele tinha declarado a vitória desse modelo logo após o desmoronamento do bloco soviético, em seu livro "O fim da história", de 1992.

    Fukuyama virá ao Brasil para participar do ciclo "Fronteiras do Pensamento" e também dará um curso no Insper. Em entrevista à Folha, ele critica o foro privilegiado brasileiro e diz que o PT errou ao não transformar a luta contra a corrupção em bandeira. Também faz comparações entre o sucesso de Donald Trump e a nova extrema direita européia, mas diz que Hillary Clinton vencerá as eleições presidenciais de novembro.

    *

    Folha – O Brasil vive seu segundo processo de impeachment em menos de 24 anos. O que isso diz sobre a democracia brasileira?
    Francis Fukuyama – A ideia de corrupção e impunidade tira qualquer credibilidade ao sistema. O foro privilegiado para parlamentares ou ministros que tenham cometido crimes é uma péssima ideia. Que regra estranha. Aqueles protestos de rua, em 2013, mostravam uma sociedade civil vibrante, que exigia uma resposta à corrupção. A resposta do PT a isso foi tratar como se fosse uma batalha partidária, um ataque ao próprio PT, uma crítica à distribuição de renda que o PT teria promovido. Pode até haver alguma verdade nisso, em um ódio de classes, mas o PT, em vez de apostar na polarização ideológica, poderia ter abraçado o combate à corrupção como sua casa. Perdeu o foco e deixou essa bandeira para outros.

    Mas muitos observadores não estão nada otimistas com o pós-impeachment.
    É bem provável que muitos que votaram pelo impeachment tenham cometido os mesmos pecados do PT ao se financiar, ao usar estatais e empreiteiras para se financiar. A tragédia do oportunismo político é que não parece que quem vai suceder Dilma tenha um grande interesse em uma reforma do sistema político.

    O que Dilma deveria ter feito?
    Isso não exime Dilma e Lula de dois grandes erros. Não ter levado a sério uma grande reforma econômica quando isso ainda era possível, como o sistema de aposentadorias do Brasil, que já parece insustentável e o país ainda nem bem envelheceu. Parece que o PT preferiu segurar suas bases na esquerda a evitar um desastre.
    E a segunda é não ter tomado a iniciativa de combater a corrupção. Não transformar essa demanda popular em sua própria plataforma.

    Algo positivo?
    Veja a Argentina e o México. Eles não têm um Poder Judiciário independente como o Brasil tem. Sim, há críticas a excessos de juízes no Brasil, mas é pior quando eles não têm a menor autonomia. E ter uma sociedade civil na rua, cobrando, é um sinal de avanço da democracia no Brasil. Temer o protesto ou a crítica, principalmente o surgimento de novas lideranças, seria sinal de fraqueza.

    O que dá para fazer para se recuperar a confiança no sistema?
    Até o final do século 19, o sistema de governo nos EUA era muito corrupto. Tivemos que passar por uma enorme reforma promovida pelo chamado "movimento progressista" na virada do século [o maior nome desse grupo foi o presidente Theodore Roosevelt, presidente dos EUA entre 1901 e 1909]. Eram novas lideranças, com ideias claras e projetos institucionais do que poderia ser feito. No Brasil, em um sistema tão fragmentado, com dezenas de partidos e um PMDB obviamente clientelista, onde parece que você precisa dar propina deputado por deputado para aprovar alguma coisa, é mais óbvio ainda que alguma reforma precisa ser feita. Acabar com essa imunidade para criminosos no Legislativo e no Executivo já seria uma boa ideia.

    Por que duas figuras "de fora" dos grandes partidos, como Donald Trump e Bernie Sanders, são tão populares?
    Há duas razões para dois forasteiros dos grandes partidos terem chegado tão longe. Nossa tradição política antiga é de eleitores que suspeitam do Estado central poderoso, das máquinas tradicionais. E há uma percepção ampla, que eu compartilho, que nosso sistema político é disfuncional.
    Há 10 anos o Congresso basicamente não aprova leis. Nem orçamentos são aprovados, o governo já ficou paralisado porque os deputados se negavam a votá-lo. Também aumentou a crença de que o peso do dinheiro na política é escandaloso.

    Como eles devem mudar isso?
    Grupos de interesse, de bancos a grandes corporações, têm um poder desproporcional através dos seus lobbies. Nenhum dos atuais candidatos têm um plano realista para mudar essas regras. Trump é o líder autoritário, que fora das instituições e fora das leis, mudaria tudo. O que é muito perigoso. Bernie Sanders, o populista do lado democrata, passa essa mesma ideia. Hillary, por ser muito pragmática e ninguém saber exatamente o que ela acredita, não empolga tanto. Bernie oferece soluções simples, mas parece apaixonado.

    Apesar do poder do dinheiro, Jeb Bush, que fez a campanha mais cara, que tinha o apoio dos maiores doadores e do establishment republicano, jamais decolou.
    Nem sempre dinheiro e conexões podem tudo. Nem sempre.

    Surpreende o sucesso do "socialista" Sanders?
    Jovens que gostam do Bernie não sabem bem o que foi o socialismo. Em um momento que tantos deles carregam altas dívidas do crédito estudantil, eles adoram que Bernie prometa universidade gratuita para todos. Ninguém está se perguntando quem pagaria essa conta. Alguém poderia explicar que esse modelo injusto já funciona no Brasil. A sociedade toda, inclusive os pobres, acabam por financiar o estudo universitário da elite. Como os mais pobres não vão à universidade, esses impostos para o ensino superior ajudam os mais ricos.

    Quem acompanha a campanha eleitoral, pensa que tanto republicanos quanto democratas estão bem descontentes com a situação atual dos EUA. Como o sr. avalia o presidente Obama?
    O legado de Obama será muito bem avaliado pela história. Ele aprovou duas leis no início muito importantes, o plano de saúde apelidado Obamacare e a lei Dodd-Frank, que regulamentou e multou diversos desvios no sistema financeiro. Mas nos últimos anos, com a paralisia no Congresso, ele não conseguiu aprovar seus projetos para regular a venda de armas, nem uma reforma imigratória. Ainda assim, ele fez o acordo nuclear com o Irã, que é muito positivo, assim como a reaproximação com Cuba. A economia está em melhor forma. Hillary deve ganhar, com ampla margem. Os democratas ainda devem recuperar o Senado.

    O sr. vai votar nela?
    Sim, sem dúvida. Não há opção no outro lado.

    Quais serão os principais desafios de um eventual governo Hillary?
    A Câmara dos Deputados deve continuar nas mãos dos republicanos, o que será um problema para passar qualquer legislação importante. A paralisia no Congresso pode continuar. Há um nacionalismo econômico em alta e Hillary se afastou do acordo comercial da Parceria Transpacífica (TPP, da sigla em inglês) durante a campanha porque espantaria os eleitores. Temo a volta do protecionismo.
    Há focos de descontentamento no país também. Os afroamericanos se sentem injustamente perseguidos pela polícia e a classe trabalhadora branca, sem diploma universitário, acha que os dois partidos não ligam para ela.

    O sr. vê semelhanças entre a retórica xenofóbica de Trump e o crescimento da extrema direita na Europa?
    Há muitas. Trabalhadores com menor qualificação sofrem com a ameaça da globalização e da tecnologia, com a concorrência de trabalhadores de outros países, imigrantes. Nos dois lados, há um discurso contra imigrantes e contra acordos de livre comércio.
    Outra semelhança é a de Trump com o italiano Berlusconi [ex-primeiro ministro italiano]. Os dois são muito parecidos. São histriônicos, sabem manipular a mídia e têm negócios um tanto obscuros.

    Muita gente avalia o seu "O fim da história" como um tratado da inevitabilidade da democracia liberal. Mas quando se olha a China de hoje e mesmo o fundamentalismo religioso no Oriente Médio, parece que nem todos anseiam esse modelo.
    Não digo que seja inevitável, mas continuo a achar que é o objetivo final para o país que quiser se mdoernizar. Há processos diferentes de atingi-lo, mas pessoalmente não acho que o atual modelo chinès seja sustentável. Não é um modelo para terceiros.
    Mas as maiores ameaças à democracia liberal vêm de dentro, do Ocidente mesmo. O sistema não está funcionando bem. A mesma tecnologia que ajuda a organizar movimentos como a Primavera árabe ajuda grupos terroristas, polariza e intoxica o debate público nas redes sociais. A tecnologia também acaba com milhares de empregos de operários pouco qualificados, que é uma das fontes do populismo. Para alguns, a tecnologia é pior que a globalização.
    No caso americano, precisamos reduzir o peso excessivo do dinheiro na política, especialmente nas campanhas, o tira crédito do sistema. Também temos maneiras demais de vetar, e a cada novo veto, sente-se que o sistema está paralisado.

    *

    POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO

    O Insper, em parceria com a Leadership Academy for Development da Stanford University e a Johns Hopkins University School of Advanced International Studies, traz para São Paulo o curso O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento do País, que contará com Francis Francis Fukuyama e Roger Leeds, mundialmente reconhecidos por suas atuações na área de economia política, além do corpo docente do Insper. A primeira turma terá início no dia 27 de junho. Interessados podem se inscrever por meio do site: www.insper.edu.br/educacao-executiva/cursos-de-curta-duracao/o-papel-das-politicas-publicas-no-desenvolvimento-do-pais-integral/

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