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    folha fronteiras

    Para neurociência, motivação não é fator principal em mudança de hábitos

    JULIANA VINES
    EDITORA-ADJUNTA DE SUPLEMENTOS

    30/04/2016 02h00

    Ao contrário do que pregam livros de autoajuda, querer não é poder. A neurociência mostra que ação é mais importante que motivação na hora de dar uma virada na vida. Quer dizer: não dá para esperar ter desejo de comer salada para fazer dieta.

    "A vontade anda de mãos dadas com a preguiça, o cérebro sempre quer gastar menos energia. É mais efetivo agir primeiro, até que a repetição leve a um novo hábito", diz Pedro Calabrez, pesquisador do Laboratório de Neurociências Clínicas da Unifesp.

    Mudar é agir contra o script. Como os hábitos já estão gravados na memória, preferimos o piloto-automático a criar novas rotinas.

    "É como um rio que corre pelo mesmo caminho. O cérebro tem a tendência de reagir sempre do mesmo jeito", diz Paulo Knapp, psiquiatra e terapeuta cognitivo-comportamental.

    Não é por mal. Hábitos só existem para facilitar o cotidiano, lembra o neurocientista Jorge Moll, diretor-presidente do Instituto D'Or.

    "Comportamento automatizado faz o cérebro mais eficiente. Não conseguiríamos fazer tanta coisa se fosse preciso pensar em cada ação."

    Segundo ele, mais de 99% dos hábitos são bons. O problema é o 1% que sobra.

    "Da procrastinação ao uso de cocaína, o hábito é formado graças a uma recompensa ou punição. Todos são vícios em potencial", diz Knapp.

    Quanto mais rápida for a resposta de uma atitude, mais facilmente ela vira hábito, e mais difícil é mudar. É outra pegadinha do cérebro, que prefere recompensas a curto prazo. Por isso a meta de ficar em forma é dura de ser cumprida. "A recompensa está distante, e comer traz prêmio imediato", diz Moll.

    PLANO DE GUERRA

    Para driblar o comodismo e instituir novos hábitos, existem técnicas, algumas controversas. A mais célebre envolve repetir o novo comportamento por 21 dias.

    Mas, segundo um estudo do University College de Londres são necessários, em média, 66 dias para mudar.

    "Isso é baboseira, não há tempo certo. Depende de quão antigo o hábito é. Mas há técnicas de psicologia comportamental, como colocar um alarme para comer na hora certa", diz Moll.

    Calabrez explica que o hábito tem três dimensões: a ação em si, a recompensa e um gatilho que leva àquele comportamento, tipo o café que convida ao cigarro.

    Para desconstruir um vício, então, é preciso mudar ao menos uma das três etapas, como descobrir o gatilho e eliminá-lo, dividir o objetivo em metas menores e criar prêmios imediatos para ações com efeitos a longo prazo.

    Foi o que fez a blogueira Luiza Ferro, 26. Toda vez que ia ao shopping, comprava "uma besteirinha". O hábito passou a incomodar quando ela percebeu que gastava demais com coisas inúteis.

    Luiza deixou de ir ao shopping –o gatilho das compras. Também cancelou newsletters de lojas. E instituiu uma recompensa se conseguisse poupar: um curso no exterior.

    "Demorou, mas deu certo. Depois, me interessei por sustentabilidade na moda e pela onda 'slow fashion'. Hoje tenho 40 itens no armário."

    Para a psicanálise, a mudança não passa por treinar novos comportamentos.

    "O indivíduo não deve ser condicionado. Precisa compreender que não pode se furtar da escolha de seus hábitos e da responsabilidade por eles", diz o psicanalista Jorge Forbes. A virada é difícil porque envolve surpresa, acrescenta. "Mudar é angustiante. As pessoas preferem um sintoma conhecido do que um desconhecido."

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