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    Criadores do 'Tá no Ar' e 'Zorra' fazem humor da Globo voltar à relevância

    LÍGIA MESQUITA
    ENVIADA ESPECIAL AO RIO

    01/05/2016 02h04

    Divulgação
    O diretor Mauricio Farias (à esq.) e o roteirista Marcius Melhem
    O diretor Mauricio Farias (à esq.) e o roteirista Marcius Melhem

    Um deputado se aproxima do púlpito. Em vez de declarar seu voto, levanta a placa: "Vendo Monza 85". Outro chama o filho para cantar no local de votação.

    O esquete "Congresso", que foi ao ar neste sábado (30), no "Zorra" (Globo), é o segundo do programa a tirar sarro da votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara.

    Na semana anterior teve a "Câmara dos Deuses", com Deus zangado ao saber que políticos tinham usado seu nome "em vão".

    Também foram ao ar esquetes sobre o vírus zika (em um, os noivos se casam vestindo telas antimosquito).

    Como se vê, o telespectador que não acompanha o noticiário pode se sentir perdido vendo alguns quadros do humorístico das noites de sábado. Em sua segunda temporada, o "Zorra" segue forte na troça do que acontece no dia a dia do brasileiro.

    Ao lado do "Tá No Ar", que no início de abril encerrou sua terceira temporada, a atração ajudou o humor feito na Globo a voltar a ser relevante, assim como fizeram no passado a "TV Pirata" e o "Casseta & Planeta". E a ter vídeos viralizados.

    O clipe "Chico Buarque de Orlando", com Marcelo Adnet interpretando um Chico Buarque "coxinha", teve mais de 2,3 milhões de visualizações apenas na página do "Tá no Ar" no Facebook.

    A mudança na, digamos, linha editorial humorística da emissora, coube principalmente à dupla Mauricio Farias e Marcius Melhem, criadores do "Zorra" e do "Tá No Ar" –neste último, com a companhia de Adnet.

    Farias, diretor de núcleo na emissora, é responsável por sucessos como "A Grande Família" e "Tapas e Beijos".

    Melhem, jornalista de formação, entrou na Globo como ator, participou de novelas e séries, fez "Os Caras de Pau" e foi redator do antigo "Zorra Total".

    Há dois anos, começaram a se reunir para pensar projetos e a fazer uma reflexão sobre o que estavam produzindo ali. "Havia a sensação de que a Globo, de alguma maneira, criou um mundo para ela. Não só na dramaturgia, mas também no humor. E era limitado, não só por questões comerciais, mas de diversas ordens", diz Farias à Folha.

    Nessas reuniões, segundo o diretor, eles chegaram à conclusão de que "existia um certo bom comportamento" nos programas da casa que não "batia" com a realidade.

    "Parecia que a gente estava num mundo de fantasia. O mundo hoje é muito mais caótico, desajustado e poluído de informações." Ali, Farias conta, houve um entendimento de que "estávamos nos desconectando do público, hoje com acesso a tudo, a toda informação".

    LÍNGUA DO PÚBLICO

    Para Melhem, era preciso se "reconectar, repactuar com a sociedade". Assim surgiu primeiro o "Tá No Ar", que brinca com a programação televisiva –e com a própria Globo–, e o novo "Zorra".

    "Quando falamos em 'repactuar' é no sentido de usar coisas que batem na sociedade todo dia. As pessoas não podem ligar a televisão e ver um mundo de fantasia que não tem nada a ver com a vida delas", fala Melhem. "Decidimos, tanto no 'Tá No Ar' quanto no 'Zorra', focar a vida das pessoas, o conteúdo, as situações."

    Se no antigo "Zorra Total" a atenção estava voltada para os personagens e seus bordões, agora é o inverso. "São os temas que geram os personagens", diz Farias.

    Essa ligação real com o telespectador fez a média nacional de audiência do "Zorra" aumentar três pontos no Ibope desde sua estreia, em 2015. Passou de 18 para 21 pontos (cada ponto equivale a 684,2 mil espectadores).

    Farias e Melhem dizem que nunca sofreram censura da emissora por nenhuma piada. "A maior censura sempre vem de dentro, da gente", fala Melhem.

    O jornalista conta que se surpreende quando perguntam como conseguem fazer esses programas na TV Globo. "Eles não estão à parte da programação, foram pensados estrategicamente pela emissora."

    Se os humorísticos criados pela dupla falam da vida das pessoas, a política não poderia ficar de fora, principalmente em uma época de crise e ânimos tão exaltados. "É um momento complicado na vida nacional. Só que humor é chumbo livre. Batemos em todos os lados."

    Mas, bem mais do que na política, a pancada que eles buscam sempre dar nos programas é na intolerância.

    Fazer piada com alguém porque ele é alguma coisa não é a linha de humor que buscam, segundo Farias. "A gente não se alinha com humor sexista, racista, que ataca", fala o diretor.

    "O humor é sempre do contra. Mas existem pontos de vista de olhar a piada. Dá para fazer rir sacaneando o homofóbico, e não o gay", diz Melhem. "A sociedade avançou em muitas inclusões e acho covarde bater no oprimido."

    *

    RAIO-X - MAURICIO FARIAS
    Nascimento: 25.dez.1960, no Rio; é filho do cineasta Roberto Farias
    Formação: Estudou desenho industrial na UFRJ, mas não concluiu
    Carreira: Dirigiu "As Noivas de Copacabana", "Quatro por Quatro", "Hilda Furacão", "A Grande Família", "Tapas e Beijos", "Encontro com Fátima", entre outros

    RAIO-X - MARCIUS MELHEM
    Nascimento: 8.fev.1972, em Nilópolis (RJ)
    Formação: Cursou jornalismo na PUC-RJ
    Carreira: Foi diretor da Agência Leia de Notícias; fez as novelas "Caminho das Índias" e "Mulheres Apaixonadas" e viveu Seu Boneco no remake da "Escolinha do Professor Raimundo"; escreveu e atuou em "Os Caras de Pau" e "S.O.S Emergência"

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