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    crítica

    'Dois Rémi, Dois', de Pierre Léon, é exercício de intelectualidade

    RICARDO CALIL
    CRÍTICO DA FOLHA

    01/05/2016 02h23

    Com pouco mais de um ano de atividade, a distribuidora Supo Mungam tem se destacado por lançar no Brasil objetos cinematográficos não identificados, obras que driblam categorizações fáceis ao se contrapor à hegemonia do cinema narrativo.

    Uma de suas frentes são diretores com longa estrada que ainda não haviam chegado ao circuito comercial brasileiro, como o filipino Lav Diaz ("Norte, o Fim da História") e o francês Paul Vecchiali ("Noites Brancas no Píer").

    Nesse caso, encaixa-se Pierre Léon, francês de origem russa com três décadas de carreira como ator e mais de dez títulos como diretor.

    Léon finalmente aporta aqui com "Dois Rémi, Dois", vagamente inspirado em "O Duplo", de Dostoiévski.

    Não há exatamente uma trama. Mas um protagonista que se divide em dois –o que significa também um conflito.

    Divulgação
    Cena de Pascal Cervo em 'Dois Rémi, Dois'
    Cena de Pascal Cervo em 'Dois Rémi, Dois'

    Rémi (Pascal Cervo), homem de 30 anos, tímido, socialmente inadequado, tem um emprego medíocre e uma queda secreta pela filha do patrão (Luna Picoli-Truffaut, neta de François Truffaut).

    Certo dia, surge em sua vida um "doppelganger" –termo que vem de uma lenda germânica sobre uma criatura que consegue se transformar em cópia idêntica de outra.

    Para o desespero do primeiro Rémi, o segundo é socialmente desenvolto. Ele se revela mais desinibido no trabalho e mais atrevido no romance. E, assim, a cópia obriga o original a sair da letargia, abandonar o ensimesmamento e se abrir ao mundo.

    O duplo é uma figura cara ao cinema e já recebeu dele os mais diversos tratamentos, em filmes que vão de "Um Corpo que Cai" (1958) a "O Homem Duplicado" (2014).

    A força do duplo é que ele abre a obra para uma variedade de efeitos, cômicos ou dramáticos, e interpretações, psicológicas ou metafísicas.

    E, embora Léon trabalhe com essas possibilidades já visitadas, é possível dizer que nunca houve um filme de "doppelganger" como este. "Dois Rémi, Dois" parece um estranho cruzamento entre Éric Rohmer e Buster Keaton.

    Do primeiro, Léon tira o prazer de observar o cotidiano mais comezinho: os desencontros amorosos, os mal-entendidos no trabalho, a conversa pequena.

    Do segundo, ele herda a "deadpan comedy", o humor da impassibilidade, da graça que não começa nem termina no riso fácil –bem representada aqui pelo trabalho minimalista de Pascal Cervo.

    Surge, assim, um filme que é um exercício de intelectualidade (com citações eruditas) e de banalidade –com piadas internas como uma trilha que, refletindo o título do filme, só tem as notas dó, ré, mi.

    Como seu protagonista, "Dois Rémi, Dois" é um filme dividido em dois, ao mesmo tempo hermético e frívolo, com códigos fechados e abertos, nem sempre fácil, quase sempre original.

    Uma obra que desafia a comodidade do espectador e desperta o desejo de conhecer mais o trabalho de Léon.

    DOIS RÉMI, DOIS
    (Deux Rémi, Deux)
    DIREÇÃO: Pierre Léon
    ELENCO: Serge Bozon, Pascal Cervo, Luna Picoli-truffaut
    PRODUÇÃO: França, 2015, 14 anos
    QUANDO: em cartaz

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